quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Fé vs Ciência

Vi hoje no facebook uma imagem com a seguinte frase: "What if I told you, you can believe in god without rejecting science and racional morality?"

Obviamente que tinha um rol incrível de comentários. Li meia dúzia e desisti. Logo nos primeiros comentários que vi, alguém ridicularizava quem tem fé e dizia ainda que fé é o oposto de ciência.

Talvez seja preconceito meu, mas penso que todo o tipo de intolerância denota algum grau de incapacidade racional. Pessoas inteligentes não são intolerantes, são simplesmente discordantes. Porque para mim, intolerância mexe com sentimentos e preconceitos e não com razões. Pela forma como mexe comigo, concluo que eu próprio sou intolerante à intolerância, principalmente a religiosa.

Aparentemente, se for a olhar para a quantidade de comentários a tudo quanto é notícia sobre o trinómio Igreja - Deus - Religião, o ateísmo intoleranto-militanto-discriminador tem muitíssimos adeptos. A propaganda é muito simples: a fé pede que acreditemos em coisas absurdas que contrariam a ciência, portanto, só os pré-históricos e os ignorantes é que ainda acreditam. É claro que qualquer católico minimamente educado na fé, sabe perfeitamente que é totalmente errado usar teorias científicas para suportar ou refutar qualquer conhecimento de fé, ou vice-versa, querer usar o sobrenatural para justificar a falta de conhecimento natural das coisas. A bíblia deve ser encarada como um livro que usa a relatividade para falar de coisas absolutas. Por seu lado, a ciência usa factos absolutos para falar de coisas relativas.
Quero dizer com isto que a bíblia usa de muitos estilos literários: poesia, relatos históricos, metáforas, parábolas e comparações (isto é, formas relativas e até mesmo confusas) para nos ensinar factos absolutos, como a natureza de Deus ou o papel do homem no mundo; por seu turno, a ciência usa os factos observáveis (absolutos no sentido em que determinadas condições produzem invariavelmente o mesmo resultado) para construir teorias. Ora, teoria é, por definição, algo que carece de comprovação. O evolucionismo e o big-bang, por mais consenso que reúnam, ainda não são factos, são teorias. Virá a altura em que novos factos, colocarão em causa ambas as teorias e as mesmas tenham de ser reinventadas ou completamente substituídas por outras. Isto não é fé, é um facto histórico. Fé seria acreditar em ambas as teorias como certas e definitivas. Muitas vezes penso que é preciso ter muito mais fé para negar Deus do que para acreditar. Porque o ser humano não suporta o vazio de absoluto, isto é, o vazio de certezas. Se tudo é relativo, então tudo é incerto. Logo, alguém que não acredita em Deus, tem de preencher essa necessidade de absoluto com outra coisa, normalmente é a ciência. E então colocam-na num estatuto que ela nunca quis ter. Peguemos num exemplo que dei: o evolucionismo. Há fortes evidências que suportam a teoria do evolucionismo, contudo, a mesma tem sofrido diversas alterações à medida que novos factos e descobertas põe em causa a formulação actual da mesma. De tal modo, que a teoria actual é muito diferente e mais complexa do que a formulada por Darwin. Mas, apesar de tudo, esta é a única teoria que permite ao ser humano, racionalmente poder retirar Deus da equação da origem da vida. O problema é que a teoria tem tantas lacunas (dificuldades em explicar alguns factos arqueológicos), que o tamanho e quantidade das teorias para explicar essas lacunas são bem maiores e menos lógicas. Mas, repito, como é a única que permite não acreditar em Deus de forma racionalmente honesta, há muita gente que coloca a sua certeza nessa teoria. Isto é, tem fé na teoria. O que é, por sua vez, grave, já que qualquer cientista honesto, sabe que todo o conhecimento científico é relativo e está sujeito a refutação, sob pena de dogmatizar o conhecimento, que é apanágio da religião.

Portanto, não é totalmente incompreensível que alguém defina fé como oposto a ciência. Mas a minha objecção mantém-se porque é o método que é oposto e não a sua natureza. E se isto não bastasse, também porque o seu argumento é muitíssimo incorrecto. O argumento é que a fé obriga a acreditar em coisas estapafúrdias, como por exemplo, que Deus criou o universo e a terra em 6 dias. Isto faz-me lembrar o caso do Galileu: o que é que adianta falar verdade se as conclusões que tiramos são ridículas? É claro que a fé não pede para acreditar nisso. A fé pede-nos para acreditar que foi Deus que criou o mundo, mas dá o lugar à ciência para nos tentar explicar, como é que Deus criou o mundo.
Na verdade, existe uma grande complementaridade entre ciência e fé. Precisamente porque nós não somos apenas matéria e processos químicos. Somos também emoções, leis, ética e comportamento. A ciência explica-nos a natureza e dá-nos ferramentas físicas, a fé ajuda-nos a viver em comunidade, ajuda-nos no campo do imaterial. É importante que a vida, que é do domínio do relativo, seja temperada com laivos de absoluto. Quanto mais caminharmos em direcção ao relativo, por conseguinte, rejeitando o absoluto, mais espaço ganha o subjectivo (o eu) e consequentemente se perde o nós.

No entanto, o motivo que me leva a escrever hoje é diferente.

Apesar desta longa dissertação, aquilo que eu queria dizer é que, embora o ateísmo pareça estar em alta, a verdade é que, olhando para os meus meninos do grupo de jovens, Cristo é incomparavelmente mais atraente. Não são poucas as pessoas que com certeza se sentem interrogadas com a nossa alegria e energia e sentem curiosidade em vir conhecer. Para os que me lêem, fica a dica: é pela fé em Cristo que somos contagiados com esta alegria! Não é por acreditarmos em Deus ou no sobrenatural, mas sim, especificamente em Cristo.

terça-feira, 5 de março de 2013

sou tão feliz que até chateia!

Há alguns anos, cerca de uma década a esta parte, dizia que não é possível ser-se cristão e não ser feliz. Pois se havia cristãos infelizes, seguramente eles não era cristãos.

Hoje, embora mantenha a mesma convicção, aceito resumir felicidade a alegria. Um cristão que não viva com alegria, sirva com alegria ou partilhe com alegria será, quanto muito, uma aspirante a cristão.

Não existem relatos, ou testemunhos que Jesus era uma pessoa alegre. O único relato histórico contemporâneo de Jesus, enviado pelo governador Publius Lentulus a César, fala dele como uma pessoa de um olhar assombroso e umas feições belas, mas dizia que nunca ninguém o vira sorrir. (curiosidade: o mesmo relato fala de Maria, sua mãe, como a mulher mais bela que já se vira naquele país)
Os próprios evangelhos são parcos em relatos nesse sentido. Pessoalmente só conheço o Lc 10, 21.

Contudo, o meu intelecto diz-me que Cristo era, certamente, uma pessoa alegre ou, noutro sentido, que se alegrava constantemente. Porquê? Puro bom senso e um bocadinho de lógica. As primeiras comunidades cristãs existiam muito à imagem da pessoa de Jesus e há um relato nos Actos dos Apóstolos referente à vida dessas primeiras comunidades, no qual ressalvo uma frase em particular que resume de forma sublime essa vida comunitária: "vede como eles se amam". Foi assim que as comunidades cristãs começaram a atrair cada vez mais pessoas. E aqui está a minha pergunta: como é que se vê o amor?
Através dos gestos, claro. E dos frutos, também. Mas pode uma cara em sofrimento, ainda que num gesto de caridade, cativar alguém? Penso que não. Portanto, não basta o gesto em si, mas também a forma como é feito. Não estou a retirar importância ao sacrifício de um gesto de amor, mas a centrar na questão da atracção. O que é que eu teria que ver num grupo para me sentir atraído por ele?

É claro que Jesus não precisava ser uma pessoa sorridente para ser quem foi. A verdade com que falava e a esperança que trazia seriam suficientes para cativar multidões. Mas se atendermos à alegria que sinto por ter conhecido Jesus, só posso especular no mesmo sentido para aqueles que o escutaram e seguiram.


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Casamento

Depois do meu último post sobre casamento, fiquei preocupado que pudesse ser mal interpretado, por isso segue-se um pequeno ensaio sobre o casamento:

Existe algo muito mais importante que o conceito de casamento: o conceito de família.

No post "Santíssima Confusão!" faço uma apologia às relações familiares dizendo que são aquelas que mais se aproximam da perfeição entre os seres humanos, por achar que são as que melhor representam Deus. Principalmente numa família onde há filhos. E porque é que faço uma afirmação destas? Porque nas relações perfeitas, a felicidade e o bem estar do outro é uma preocupação constante, ao ponto de me esquecer de mim mesmo. Se ambos pensarem da mesma forma, ninguém será negligenciado. Se isto é mais do que óbvio quando falamos de filhos, estende-se, em certo grau, para toda família: irmãos, pais, avós, netos, etc...
Mas no que toca a cônjuges, é comum que isto não se aplique.  Por isso, falo muitas vezes na importância de um namoro bem feito, onde ambos percebam se querem a mesma coisa para o casamento.
Preferencialmente:
- fazer o outro feliz em vez de esperar ser feliz ao lado do outro;
- ter a certeza que a outra pessoa pensa exactamente desta forma, também.

Esta é a receita de sucesso para um casamento longo e feliz. É fácil querer fazer a outra pessoa feliz quando estamos apaixonados, mas é preciso muita maturidade para querer continuar a fazê-lo quando as coisas não correm tão bem. Uma das coisas que nos separa do resto da criação, é a capacidade para fazermos coisas que não gostamos ou não queremos, simplesmente porque é a coisa correcta a fazer, mesmo que custe. Seja por motivos de moralidade e ética, seja por motivos de compromissos assumidos. É curioso que se eu quisesse definir "responsabilidade" era exactamente isto que diria. Ainda é mais curioso saber quão agradável é a Deus os nossos sacrifícios em prol destes motivos. Um sacrifício, motivado por um comprometimento, por uma promessa ou simplesmente porque o que é o mais correcto, vale mais aos olhos de Deus que muitas obras de caridade que fazemos no nosso tempo livre. E dizer que é agradável aos olhos de Deus é o mesmo que dizer que é um profundo gesto de amor.

Portanto, sim! Eu acredito que o amor deve ser nutrido tanto quanto acredito que pode ser reparado apenas pela vontade, mesmo que a paixão tenha desaparecido.
A minha experiência diz-me que se alguém tiver o cuidado de se preocupar comigo e procurar gestos que me façam feliz, é muito fácil sentir grande ternura por essa pessoa, seja ela branca ou laranja, feia ou bonita. Se eu tiver o cuidado de procurar constantemente coisas que façam essa pessoa feliz, o resultado será a criação de laços de afecto profundos. Esta constante troca de cuidados, procurando o interesse do outro, mais que o meu interesse, é como uma bola de neve de sentimentos de carinho que vai aumentando ao longo do caminho.
Penso que estamos geneticamente programados para gostar de pessoas que querem o nosso bem.

Como podes concluir, o egoísmo, o procurar o outro pelo prazer que me dá, consome e destrói o amor conjugal e não serve para uma relação feliz e duradoura. Uma pessoa que procure alguém que a faça feliz, sofre do mesmo problema. Pode parecer um paradoxo, já que escrevi acima que devemos ter a certeza que a outra pessoa quer fazer-nos feliz, mas não é. São coisas muito diferentes, embora pareçam semelhantes: querer alguém que me faça feliz vs ter a certeza que a pessoa que eu quero fazer feliz também me quer fazer feliz. A diferença está no que o outro quer, pois uma pessoa pode fazer-me feliz sem querer. Se fico satisfeito com a preocupação que o outro tem em fazer-me feliz, e não retribuo, estou a pôr um prazo de validade nessa relação. A certa altura começa-se a cobrar o porquê do outro já não me fazer feliz.

Mas isto tudo é muito ideológico. A realidade costuma atirar umas espinhas e uma surpresas que dificultam cumprir estas regras à letra. Quando a realidade faz isso, é aqui que ser uma pessoa de palavra, que cumpre e faz o que se compromete; com fortes valores morais, que faz o que é certo e o que deve ser feito, mesmo que não seja o que deseja, faz toda a diferença.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Santíssima confusão!

Se há coisa que faz muita confusão na cabeça de qualquer cristão é o mistério da Santíssima Trindade.

Este mistério consiste na crença de um único Deus que são três pessoas distintas.

Há um ponto de partida que não deverá ser ignorada: o mistério continuará um mistério não importa quão brilhante seja a nossa mente. Todavia a meditação sobre este mistério é fonte de grande riqueza espiritual. Na minha opinião, uma certa dose de encantamento pelo mesmo, trará grandes benefícios à fé de cada crente.

Mas existe uma confusão generalizada sobre a natureza da santíssima trindade e acabo por ouvir tanto comparações muito estranhas e duvidosas, como outras muito queridas e inócuas: desde um shampô 3 em 1 a três velas acesas no qual as chamas se tocam, formando uma única chama.
A forma como tentamos racionalizar este puzzle sem solução diz muito sobre a forma como cada um vê Deus. Embora não exista uma comparação perfeita, julgo que existem comparações que são melhores do que outras. Será então lógico da minha parte concluir que um melhor conhecimento de Deus revelará uma racionalização da Santíssima Trindade mais madura e fiel à verdade.

Primeiro, estamos a falar de três pessoas distintas:
- o Pai, que é todo-poderoso e criador;
- o Filho que é o Rei de toda a criação, que lhe foi dada pelo Pai, que encarnou na pessoa de Jesus, que é o caminho para o Pai;
- o Espírito Santo - É através dele que o Pai e o Filho se relacionam e actuam sobre a humanidade.

Segundo, estamos a falar de um único Deus.

Logo, Deus é três pessoas. Isto não é exactamente um mistério, pois um homem e uma mulher que gerem um filho, também são uma família e três pessoas distintas.
O mistério surge quando Jesus nos diz que quem vê o Filho está a ver o Pai, pois o Pai e o Filho são um só.
Esta constatação poderia remeter-nos para outro tipo de imagem: toda e qualquer pessoa que já tenha sido pai. Por exemplo, eu sou filho dos meus pais e, ao mesmo tempo, pai da minha filha. Portanto, quem me vê, vê-me como pai e como filho. Mas este tipo de raciocínio é brutalmente ingénuo, pois sou apenas uma pessoa apesar de agir de forma distinta com os meus pais do que com a minha filha. Para ser minimamente aproximado, eu teria de ter duas personalidade completamente distintas e permanentemente conscientes. E é um crime teológico desprover cada uma das três pessoas da santíssima trindade das suas "personalidades e características" próprias.
Faria-me mais sentido aquela tão habitual observação: "é tal e qual o pai dele". E nesse caso, remete-nos novamente para o conceito de família.

Outra coisa que S. Paulo nos diz sobre Deus é que Ele é amor.
Ora, uma característica do amor, é que este só existe na relação entre, pelo menos, duas pessoas. Assim, Deus jamais seria amor, se fosse apenas uma pessoa.
É importante não confundir auto-estima e auto-confiança com amor próprio. Aliás, amor próprio é um paradoxo e há poucas coisas no mundo mais contrárias ao amor que este chamado amor próprio. A definição de amor que mencionei no princípio deste blogue continua actual: amar é preocupar e cuidar do outro. Quanto mais amor canalizo para mim, quanto mais me tento agradar a mim mesmo, menos tempo e espaço sobra para amar outra pessoa. Portanto, o egoísmo mata, literalmente, o amor.
E que melhor exemplo de amor será possível encontrar que o amor dos pais pelos seus filhos?

Outra questão pertinente é a noção bíblica de termos sido feitos à imagem e semelhança de Deus. Já ouvi muitas coisas acerca disto, umas disparatadas, outras interessantes mas erradas. Desde a fisionomia à capacidade de raciocinar e de criar. Nada disto significa ser à imagem ou semelhança de Deus. Ser à imagem e semelhança de Deus significa apenas que somos seres que vivemos em relação. Isto é, fomos feitos para nos relacionarmos. E a forma mais perfeita de relacionamento é o amor. Não existe qualquer dúvida na minha cabeça que Deus nos criou para amarmos e sermos fecundos no amor. E ser fecundo significa além da geração de filhos, a geração de amor. Por outras palavras, somos a imagem de Deus sempre que amamos e que o nosso amor atrai e cativa outros para amarem de igual forma.

Posto isto, e sem querer dizer que esta comparação é a melhor, não consigo ver melhor representação da Santíssima Trindade que uma família. Não uma família qualquer, uma família perfeita.
Todavia não convém esquecer que, apesar dos argumentos que dei serem verdadeiros, esta conclusão é apenas uma opinião, já que por se tratar de um mistério, é inalcançável com a razão, tanto para uma criança como para o próprio Papa.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Casar ou não casar, eis a questão!

Advirto-te que o que vais ler a seguir pode ser enquadrável no âmbito do que é herético.

Oiço muitas vezes que o casamento é uma instituição que está em declínio.
Cientificamente falando, não concordo com o termo declínio. Moralmente falando, sim. Mas será justo dizer que "a cabine do piloto está a afundar-se" quando todo o barco se afunda?
Não sou sociólogo, mas entendo que cada sociedade tem crenças, valores e leis distintas e, ao mesmo tempo, se vai transformando ao longo dos tempos.
Portanto, aquilo que está em causa não é o declínio do casamento mas a mudança dos valores da sociedade. E a sociedade mudou em tal ordem que o conceito de família já não é o mesmo de há 25 anos. O conceito de pai, mãe, filhos, irmãos e avós, transformou-se numa salganhada de pai, mãe, filhos, irmãos, meios irmãos, enteados, padrasto e madrasta. 
Se começo a pensar que tipo de relação poderá existir entre uma pessoa e o enteado da sua filha ou entre a ex-mulher mãe do 1º filho com a ex-mulher mãe do 2º e 3º filhos, entro em curto-circuito. 

Confesso que para mim estas novas relações de parentesco são esquisitas. Talvez por acreditar num modelo de casamento indissolúvel, para toda a vida. Mas o facto de acreditar nesse modelo de casamento, não significa que seja o único tipo de relação com que concorde. 
Sobre este assunto, tal como no namoro, há apenas uma regra que me parece essencial:  que ambos desejem o mesmo tipo de relação. 

Se partirem ambos para a relação com a ideia de que "o casamento não é eterno, não sei até quando me darei bem com o meu parceiro, por isso ficarei com o outro enquanto me sentir bem", excelente. 
Ou até mesmo, "vou casar-me contigo mas receio cair na rotina por isso não nego à partida ter relações extra-matrimoniais", se ambos tiverem a mesma perspectiva sobre a relação, não tenho nada a dizer.
Ou ainda, "desejo ter filhos mas não me parece necessário que eles tenham de conviver na mesma casa com os dois pais", paciência!
Pessoalmente, parece-me uma forma terrível de iniciar uma relação. Há mil coisas que conspiram à partida para o insucesso dessa relação, mas à parte disso, acho legítimo que o façam. Por exemplo, quando um dos cônjuges estava a desfrutar muito da relação e o outro decide ir-se embora. Sei que é cruel, mas às vezes dá vontade de dizer: "é bem feito! Sabias no que te estavas a meter, mas foste na mesma!" 

As coisas mudam de figura quando há um que quer uma coisa e outro quer outra e apenas cede na expectativa que as coisas não corram mal. Essa relação deveria ser proibida logo à partida.
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Às vezes fico a pensar em coisas como: o que poderá levar alguém que deseja um casamento para toda a vida, casar com uma pessoa que se apaixonou por si enquanto estava casada com outra pessoa, e a deixou para ficar consigo?
Considero muito naïve a crença em almas gémeas. Acredito que não há qualquer predisposição de personalidades que permita uma vida conjugal feliz sem um esforço e uma dedicação permanente. Já vi e tive a minha quota de amores da minha vida, suficientes para saber que, salvo raras excepções, uma relação tem de ser trabalhada. E a questão da abertura de precedentes é simplesmente tramada. Todas as pessoas têm o direito de aprender com os erros, mas como saber se aprenderam mesmo? Quantas pessoas conheces que, tendo faltando à palavra a primeira vez, nunca mais o fizeram?  


Pois bem, este é o cerne da minha argumentação: deves saber bem aquilo que queres e garantir que a outra pessoa quer a mesma coisa. E, a menos que sejas daquelas pessoas tacanhas e desactualizadas que querem um casamento para toda a vida, não te cases!!!!



quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O Deus polícia

Toda a gente tem o direito a ter uma opinião. Mas a importância de uma opinião é directamente proporcional ao grau de informação que se possui sobre o que se opina. Por isso, a minha opinião sobre a teoria dos buracos negros ou sobre o estatuto do médico é pouco melhor que insignificante.

É por isso, que sinto uma lufada de ar fresco quando vejo alguém a opinar sobre Deus, com uma ideia completamente oposta, mas sabe do que está a falar e sabe porque tem aquela opinião.

Na altura, desvalorizei e não me apercebi do alcance do que ele estava a dizer, pois a argumentação dele baseava-se numa premissa errónea. Contudo, hoje atingiu-me, com a mágoa de quem percebeu que está enganado, a verdade das palavras daquela pessoa.

Posso resumir grosseiramente a: "eu não acredito em Deus. Deus não existe, só que as pessoas tendem a acreditar porque é mais fácil suportar viver sabendo que há uma entidade que garantirá o castigo ou a recompensa de alguém que não os teve em vida. Um Deus que vigia as acções das pessoas em todo o instante, qual polícia cujo papel é fazer cumprir a lei. Acreditam para dar sentido à injustiça."

É óbvio que Deus não é polícia e que a fé da Igreja se distancia grandemente dessa ideia. De tal maneira que é vulgarmente vista como injusta: um Deus que acolhe bons e mais, justos e pecadores. A fé católica é difícil e incómoda. Portanto, não é por comodidade que acredito em Deus. Foi este o motivo que me levou a desvalorizar a opinião aquela pessoa: "ele não sabe do que está a falar, logo, a opinião dele é irrelevante. É só mais um a falar do que não sabe".

Mas mudei completamente de opinião quando percebi que ele sabia muito bem do que estava a falar. E magoou-me relembrar-me que existem, de facto, muitas pessoas que se dizem católicas praticantes a acreditar num Deus justiceiro. Mais me magoou questionar-me se esse será o principal pilar da fé dessas pessoas. E triste fiquei, quando passei a concordar com ele.

Para uma parte da população, a fé é um escape irracional à realidade. E é verdadeiramente estranho constatar isto, quando se pretende que seja precisamente o oposto: uma entrega decidida à realidade.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A noite escura

Há uma racionalidade na fé que me apazigua, me concede sossego. Tranquiliza-me pensar em Deus e pensar sobre Deus.

Comecei a acreditar porque me mostraram o caminho, mas só passei a confiar quando consegui entender Deus pelas minhas próprias palavras. E de uma forma brilhante, Deus mostrou-se para mim. Não brilhante no sentido de luminosidade, mas de modo genial. Como se a forma como eu O fui descobrindo, tivesse contornos de perfeição. De tal modo, que ainda hoje não encontro uma falha.

Todavia, após este deslumbramento, fui assaltado por uma constatação brutal que, me deixou arrasado: quanto mais Deus fazia sentido para mim, mais sozinho me comecei a sentir.

Acho que finalmente perdi aquela concepção de amigo invisível que nos ajuda quando precisamos. Julgo que o processo de isentar a minha fé de sentimentos,de forma a torná-la objectiva, clara e definida, me conduziu a uma noite escura.

Pelo que li, vários santos relataram esta noite escura nas suas vidas, onde a sua fé vacilou antes de confiarem plenamente. Pessoalmente, não creio que a minha fé tenha vacilado. Afinal, continuo a encontrar apenas perfeição em tudo e continuo a encará-lo nos meus dias como antes. Só não tenho a certeza se é este o Deus que eu preciso:

- um Deus que não me trata de forma especial por amá-Lo e tentar seguí-Lo;
- um Deus que não me livra das dificuldades e das provações;
- um Deus com o qual não consigo comunicar, por não ter a certeza que linguagem usar;

Concedo que Ele me deu tudo quanto Lhe pedi. Mas o que recebi veio acondicionado numa realidade dura e brutal. Expôs as minhas fraquezas, exaltou as minha dúvidas, baixou a minha auto-estima e auto-confiança e deixou-me preocupado com o futuro.

Espero que alvorada venha rapidamente. A noite já vai longa e a esperança começa a rarear.

terça-feira, 26 de junho de 2012

A mente aberta de um ateu

Hoje, nas minhas deambulações pela net, deparei-me com a seguinte afirmação:
"athiests are the most open minded people you can find, they just need to have proof. if there is no proof there is no reason to believe."
Uma tradução possível será: "Os Ateus são as pessoas com a mente mais aberta que podes encontrar, eles apenas precisam de provas. Se não há prova, não há motivo para acreditar"

Esta argumentação é profundamente ilógica. Basta fazermos um pequeno exercício mental:
vamos imaginar que há um grupo de pessoas que só acredita em algo depois de obter provas. Poderás ser levado a pensar que em todo o lado as coisas já são assim, mas serão, de facto? Continuando:
Esse grupo de pessoas entraria para a escola onde aprenderiam a ler e a fazer contas. Depois começariam as aulas de geografia e de história. Primeiro problema: Como explicar a alguém que precisa de provas que determinado país tem um clima assim, uma topografia assado e faz fronteira com aquele país? Não basta estar escrito num livro, não basta ouvir por quem já lá esteve. Como dizer a uma pessoa que precisa de provas que houve um período Paleolítico, que houve um tempo onde existiam reis, que existiram duas guerras mundiais? 
A única possíbilidade seria: no primeiro caso, que fizesse uma viagem pelo país interiro, ficasse um ano em cada região, e no segundo caso, que fosse aos locais de escavações e lesse calhamaços antigos; em suma, que todas as pessoas fossem geógrafas e historiadoras. 
Como esta abordagem é impensável, temos fé que os nossos professores sabem o que estão a dizer, e que os livros científicos se baseiam em provas verificadas por alguém.
Mais simples que isto. Basta perguntar a alguém a que horas passa o autocarro para determinado sítio. Se não fizéssemos fé que a pessoa que nos responde sabe do que está a falar, teríamos de ficar sabe-se lá quantas horas à espera do autocarro.

A confiança é um componente da fé. Seria impensável viver em comunidade sem ela. Seria impensável se para tudo precisássemos de provas.

Agora, há uma falácia comum no pensamento ateísta que é: "Nós não temos que provar que Deus não existe, vocês é que têm de provar que ele existe".
Na maior parte das vezes isso seria correcto. O ónus da prova deveria estar do lado da existência de algo. Mas neste caso, há pouco mais a dizer da parte dos crentes: olhem para a criação, olhem para um olho, olhem para um cérebro e para a mente humana, que acaso poderia criar algo assim? A teoria estatística diz que a quantidade de acasos improváveis que teriam de se ter sucedido é tão grande, que torna o fenómeno matematicamente impossível de ter acontecido. Olhem para as remissões de doenças inexplicáveis, os milagres em pessoas de fé, que a ciência não consegue explicar mas deveria? E a lista continua.

Que mais provas quer o Ateu? Um Deus que venha à terra e acabe com a pobreza e a injustiça? Daquilo que nos é dado a conhecer sobre Deus, este nunca sobreporia a sua vontade sobre a vontade individual; Um milagre nele próprio? Tanto quanto nos é dado a conhecer sobre milagres, os mesmos só acontecem a quem tem Fé. 
Diz o ateu: "que conveniente!"
Responde o crente: "de facto. Mas foste tu que decidiste ignorar as provas que te dei, e continuas a achar que uma infinidade de erros genéticos casuais deu origem a algo tão brilhante como um ser humano, acreditando numa coisa que a Matemática diz ser impossível. Quem tem maior fé aqui?"



quinta-feira, 17 de maio de 2012

Amar Deus é irracional

1º Mandamento: amarás o Senhor teu Deus acima de todas as coisas.

Não te intriga que uma religião peça aos seus fiéis para amarem um ser invisível mais que os próprios filhos?

A mim não me entra no sistema nervoso. Das duas uma, ou não percebo o que significa "amar Deus acima de todas as coisas" ou estão a pedir-me uma coisa ilógica: amar algo que não vejo.
Se me pedissem para respeitar? Óptimo, claro que sim, nem preciso de fé para o fazer. Se me pedissem para rezar? Tudo bem, é uma questão de fé. Agora, amar? Parece-me uma dimensão demasiado pessoal e intima para ser direccionada para o vazio. Mesmo acreditando, como amar algo que não se vê?

Normalmente, a primeira resposta que oiço é: "não vejo mas sinto" Eu chamo a isto ilusão. Há poucas coisas que abomine mais na Fé, que apoiá-la em sentimentos.
Torna-a frágil.
Tenho um medo tão grande de desobedecer que nem ouso questionar e, então, invento. Por isso, se me pedem para amar algo que não consigo ver; se me pedem para ser amigo de alguém que nunca vi, imagino um amigo invisível que anda sempre no meu bolso e uso-o para desabafar.
Lamento, mas o que Jesus disse foi que estaria onde "dois ou três estivessem reunidos", não ao lado de cada indivíduo; Embora a Igreja ensine que o nosso corpo é o templo do Espírito, não significa que Ele esteja sempre presente. Do mesmo modo que eu habito numa casa, mas não passo lá o meu tempo todo.
Daí a ilusão, daí a irracionalidade de direccionar um sentimento para algo invisível que não está lá. Além de ser completamente isento de fundamentação teológica.

É natural que se fale nestes termos a crianças: um amigo invisivel, etc... Um adulto deveria ser levado a questionar as razões da sua fé.

Então, onde está a fundamentação para este mandamento tão irracional?

É importante que faça aqui uma explicação. Esta argumentação agressiva tem um objectivo: não o de fazer apologia da verdade, mas de te colocar interrogações sobre a forma como vês Deus. Pois senão repara, eu próprio encaro Deus como uma pessoa imaterial. Será que estou também a atacar aquilo em que acredito?

Não! Estou a tentar que chegues à conclusão que, embora a natureza de Deus seja imaterial, ela é tão real e presente nas nossas vidas como a luz do sol. E que descubras onde procurar por Deus que não seja dentro da tua imaginação.

O mandamento deixa de ser irracional quando mudamos o "chip". Quando nos permitimos a encarar Deus tal como Ele é. E mais, aqui, não só passa a fazer sentido, como não podia ser de outra maneira.

Primeiro: "amar Deus é semelhante a amar o próximo". Segundo o dicionário Priberam, uma das definições de Semelhante é: igual, da mesma natureza, da mesma qualidade. Mesmo entendendo que o vocábulo Semelhança não é perfeitamente sinónimo de Idêntico temos que:

Amar Deus é igual a amar o próximo
Amar Deus é da mesma natureza que o amor ao próximo
Amar Deus é da mesma qualidade que amar o próximo
Ou seja, amar Deus não é o mesmo que amar o próximo mas é quase :)

Segundo: Sacramento significa sinal. Ou seja, nos sacramentos que se acumulam, repetem e perpetuam ao longo da nossa vida de católicos, é possível ver a presença de Deus. Isto deve ensinar-nos que Deus se manifesta no amor famíliar (matrimónio e baptismo), quando perdoamos ou somos perdoados (reconciliação e unção dos doentes), quando nos comprometemos e relacionamos com uma comunidade (crisma, ordem e eucaristia).
Em todos eles, há uma constante: uma relação e/ou um compromisso com uma comunidade ou uma pessoa.

Terceiro: Deus é, por natureza, absoluto. Beleza, paz, liberdade, verdade e sabedoria são conceitos de natureza divina. Tal como o amor. É a ausência progressiva de cada um desses conceitos nas nossas vidas que vai criando espaço para o que é feio, para a guerra e para o conflito, para a tormenta, para a incerteza e a falta de rumo e para o ódio e o rancor. 
Portanto, a ânsia pelo que é belo, pela paz, pela liberdade e pelo conhecimento é ânsia, em última instância, por Deus.

CONCLUSÃO
Posto tudo isto, e pegando na provocação inicial, como é possível amar Deus mais que aos próprios filhos? É possível no sentido em que ao amar os nossos filhos estamos a amar Deus. Ora se a isto, juntarmos o amor que sentimos pelo resto da nossa família e dos nossos amigos, os gestos de ajuda e caridade para com o próximo, o perdão a quem nos ofende, o amor a causas como a liberdade ou a paz, a contemplação e o deslumbramento pela natureza que é reflexo de Deus, o respeito pelos compromissos e a palavra dada, não é difícil concluir que o amor por Deus é bem maior que o amor pelos filhos.

É ou não é genial este mandamento?


Não foi fácil para mim deixar este assunto assim tão pela rama, e com ausência de outras considerações, tão ou mais importantes que as utilizadas, mas para o efeito foi conclusivo.

domingo, 11 de março de 2012

Uma nova forma de estar

Se estiveste atento, deves ter reparado que não escrevo aqui nada há algum tempo.

Por um lado, não tenho tido muitos temas que me dêem vontade de reflectir. Por outro, quis experimentar, por uma vez, não oferecer respostas, mas antes dar azo ao uso da razão. Por se tratar de uma forma completamente diferente de comunicar, achei melhor começar outro blogue.

Por isso, até que surja nova tema, vou-me dedicando às histórias.

Podes consultar aqui:

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

vários pontos de vista de Deus, será uma coisa má? (resposta a um cristão protestante)

Numa troca de ideias no facebook, surgiu-me a seguinte questão colocada por um amigo protestante: "Vários pontos de vista de Deus será uma coisa má?"  Devendo "pontos de vista" ser lido como igrejas e religiões com doutrinas distintas.
Não dei resposta por esta ser demasiado grande. Mas achei o tema interessante o suficiente para escrever aqui no blogue.


Vou-te explicar o porquê de não considerar a proliferação de igrejas cristãs uma coisa positiva como seria uma chuva de ideias ou a proliferação de vários pontos de vista.

Temos, antes de mais, a Natureza de Deus. Deus é, não muda, não foi, nem será. Simplesmente é ("Eu Sou Aquele que Sou" Ex 3,14). Portanto, cabe ao homem conhecê-lo da melhor forma possível. Ora, se eu não admito que Deus muda, embora possa encará-lo de formas diversas, conforme as suas características, não é possível que estejam certos aquele que diz que Deus castiga, bem como aquele que diz que Deus é infinitamente misericordioso. Das duas uma, ou ambas estão erradas ou apenas uma está certa. Se calhar o mesmo se passa com aquilo que as pessoas dizem de mim. Alguém me viu ter uma atitude mais intempestiva e acha que eu sou uma pessoa intolerante, mas quem me conhece melhor, sabe que isso é totalmente falso. Mas já é possível atribuir diversas qualidades a Deus. Tal como eu sou pai, filho, irmão, cunhado, sobrinho, amigo, esposo tudo ao mesmo tempo, por muitas mais faces nós poderemos reconhecer Deus. Nesse aspecto, nós cristãos estamos milhões de anos luz à frente de outras religiões. Deus revelou-se completamente aos homens através do Seu Filho. E é pelo filho que nós conhecemos o Pai. Tivemos o privilégio de uma revelação plena, ao contrário, por exemplo, dos Judeus que apenas têm uma revelação indirecta. Dentro do monoteísmo, para quem acredita que Jesus é o Filho de Deus, é lógico pensar que conhece melhor Deus que outras religiões que não acreditam em Jesus como Filho de Deus. Não fazê-lo seria não compreender o mistério da incarnação, ou uma falsa e não ponderada modéstia.
Utilizando o mesmo raciocínio - existiram aqueles que lidaram de muito perto com Jesus, diariamente, os apóstolos e algumas mulheres, e outros que o seguiam por toda a parte, escutando os sermões e vendo o que ele fazia, mas nunca privando com Ele. Quais deles conheceram verdadeiramente Jesus? Que testemunho escolherias escutar? Os apóstolos e as mulheres que privaram com ele, seguramente.

Até agora já concluímos que Deus não muda e que é possível ter conhecimentos errados, distorcidos ou muito parciais de Deus e que é possível legitimar melhor conhecimento de Deus a umas pessoas em detrimento de outras.

Continuando, múltiplas Igrejas implicam múltiplas diferenças doutrinais. E dentro dessas diferenças existem incompatibilidades. Daqui se deduz que alguém, para não dizer muitos, têm que estar errados na concepção de determinada natureza de Cristo e, por conseguinte, do próprio Deus. Não há obrigatoriedade de se concluir que alguém tem de estar certo. Também não é possível inferir, simplesmente pela lógica, que haja alguma que esteja mais vezes certa do que as outras.
Mas permitir que as coisas fiquem neste ponto, alimentando a multiplicidade e, por conseguinte, a lógica que não há forma de saber quem tem razão é, em certo modo, contrário ao propósito da revelação divina em Cristo. A infinidade e a multiplicidade que são saudáveis na forma de pôr os talentos a render, na forma de se identificar com Deus, nas tarefas que realizamos, tornam-se um problema se levarem à ambiguidade. Além disso, há as passagens dos evangelhos e as cartas de São Paulo que exortam a unidade do corpo em que Cristo é a cabeça. As diferenças entre as várias partes do corpo são importantes, na medida em que cada membro tem a sua função. E até podemos inferir que cada membro tem um conhecimento limitado e distinto, mas repito, não há incoerências ou ambiguidades. Tu dizias que a infinidade de opiniões não é má, mas eu digo, se da infinidade de opiniões não surgir a sintonia, o que fica é a dispersão, o afastamento.
Finalmente entra a legitimação. É necessário conferir não quem tem os melhores argumentos, mas os mais legítimos. E quem os tiver, tem maior probabilidade de estar a falar verdade, passe a demagogia e a vontade pessoal. Se não, corremos o risco de cada um ter o seu próprio Deus, interpretado à sua medida e conforme a necessidade. Corremos o risco de buscar apenas a lógica, o interpretar pelo desafio racional, mais que pela vontade de conhecer verdadeiramente Deus. Não é a pessoa que eu amo, mas sim o processo de o conhecer.
Ao conferir legitimidade, temos que aceitar os amargos de boca, o que discordamos e o que não compreendemos.
Concluindo, nós católicos encontramos legitimidade no Papa, no colégio dos bispos e na tradição, e vocês?

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Oh mão abençoada!

Há gente que tem uma necessidade tal de substantivar a sua fé, que até a critica protestante às imagens dos santos parece insignificante. Falo obviamente da quantidade incontável de crentes que após se presignarem, beijam a mão. Ou trocando por miúdos, beijam a mão após benzerem-se.

Isto levanta no meu consciente variadíssimas suposições e teorias sobre o que passará pelo pensamento daqueles que o fazem?
- Será que a mão e, por consequência, o braço, que faz o sinal da cruz ganha algum grau de beatitude ou poder que mereça adoração?
- Será que ao fazer o sinal da cruz, se invoca a figura de Cristo e, portanto, "mão que tocou o Senhor, é mão abençoada"?

Porquê estas interrogações? 
Pontos prévios:
1º - É evidente que num contexto não religioso, alguém que beije a sua própria mão carece de alguma acuidade mental, ou perece de narcisismo mórbido.
2º - Postulando que a presignação não traz qualquer significado à mão que a preconizou, deduzem-se as conclusões do ponto anterior.

Ora, a Igreja Católica é categórica: a presignação faz-se para invocação da santíssima trindade para o acto que estamos prestes a fazer ou a terminar de fazer. Significa "vou fazer isto em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" ou "fiz isto em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo".
Portanto, mesmo em contexto religioso, não há qualquer sigificado no ósculo em análise. O que nos remete, em potência, para a conclusão do primeiro ponto prévio.

Todavia, dada a quantidade de casos que vou observando, essa conclusão seria temerária.

A prudência leva-me à conclusão mais simples: é um hábito enraizado por alguns crentes que se presignam com um terço na mão, após o que, beijam a cruz do terço. Acto que leva a:
- uns fazê-lo por mecanização do acto, mesmo quanto não têm a cruz na mão;
- outros por imitação sem perceberem que os outros levam, ou deveriam levar a cruz.

 No entanto, reservo uma grande parcela, em sobreposição às anteriores, para pura e santa ignorância. 

quarta-feira, 4 de maio de 2011

És Católico? Sou! O que é que isso quer dizer? hum... bem...

- És católico?
- Sim, sou! - digo com orgulho.
- E és praticante?
- Claro - respondo, levantando mais um pouquinho o nariz de orgulho, como me ensinaram na catequese, que não se deve ter receio de mostrar que se é católico.
- E praticas o quê?
- Vólei, na escola!
- E o que significa católico? - insiste.
- Hum... bem... que se vai à missa? - gaguejo.

E agora uma adivinha.

Quantos católicos saberão o que significa católico?
Talvez a mesma percentagem de pessoas que sabem como é que o povo hebreu estando na terra prometida, precisou de ser salvo do Egipto por Moisés.

E atenção, isto não precisa ser matéria de catequese. Revela apenas falta de zelo.
Sou católico apostólico romano. Católico significa universal. Apostólico significa descendente da tradição dos apóstolos e fiel à sua missão. Romano significa que me conservo fiel ao Papa de Roma e a nenhum outro.
Já agora, o povo foi para o Egipto no tempo de Jacob, por via do seu filho José, para fugir à fome. A história é bem bonita. Se não conheces, atreve-te a ler. Aliás, toda a vida de Jacob é, no mínimo, fascinante.

E agora, outra adivinha:
Sabes o que aconteceria se tu, sendo católico, te achasses no direito de interpretar as leituras a teu bel prazer?
Estarias equívocado: serias protestante.
Ninguém está proibido de retirar conhecimentos e fazer interpretações pessoais de passagens bíblicas. Mas agora atenta comigo: Que fazer quando tu e o teu irmão decidem fazer o mesmo exercício e, chegando a uma passagem mais ambígua, ambos retiram um significado mais ou menos válido, mas contraditórios em si?
Ambos que eram cristãos, passaram a ser o Cristão do Reino de Deus e o Cristão dos Santos dos últimos dias.
Mas se a lógica nos diz que, por natureza, a bíblia não é contraditória, como retirar as teimas? Quem terá autoridade para dizer sim ou sopas? Talvez quem recebeu autoridade de Cristo, os apóstolos, ou seja, os bispos. E se mesmo os apóstolos entrarem em contradição? O Papa.

Pessoalmente não gosto nada da adjectivação católico praticante e não praticante.
O diálogo inicial, é um imaginário de mim a interrogar o meu eu com 14 anos de idade.
Já me perguntaram algumas vezes se eu era católico praticante, mas nunca de quê. É uma mágoa que tenho. Mas já tenho a resposta preparada na ponta da língua, para quando se der a efeméride: "de santidade. Mas vou muito no princípio, ainda só passei a uma cadeira, mas pelo menos foi com distinção: a de pecador."

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O católico fixe

Recentemente descobri que existe uma nova categoria de católico.
Toda a gente fala do católico praticante e do católico não praticante.

Acho mais interessante falar do católico fixe (aka católico independente)

E porque é que ele é um católico fixe? Porque embora dê ares de filiação à Igreja Católica Apostólica Romana, rebatendo alguns comentários e opiniões obtusos e salientado o que de melhor ela tem (a obra social), desmarca-se dela em assuntos que não concorda, nem põe a mão no fogo para não alimentar polémicas. Vai à missa quando quer porque sente necessidade. E é agraciado por epítetos como "gosto de falar contigo porque tens opiniões próprias", "não és obtuso", "deviam haver mais como tu".
Desmarca-se do comum dos católicos por ter conhecimentos substanciais sobre doutrina e até alguma coisa sobre direito canónico, e saber tanto argumentar porque concorda ou porque discorda.

Na minha opinião, há por aí uma grande quantidade de católicos fixes. Pessoalmente prefiro-os aos não praticantes e até mesmo a alguns praticantes. Em bem da verdade, prefiro um sim ou um não, a um se calhar. Prefiro que alguém participe e bata com a mão no peito, a alguém que só bate com a mão no peito porque faz parte do ritual. Prefiro quem escuta a palavra de Deus, a quem só pensa "é sempre a mesma coisa". Prefiro quem se empenha em favor de quem precisa, não importa quanta dose de rebeldia, a todos os que passam a vida a acenar que sim mas só levantam o rabo do assento para compor a maquilhagem.

E tu, és um católico fixe, ou um católico que veste a camisola (ou melhor dizendo, despe a camisola - para partilhar com quem tem frio) não importa o que digam da Igreja?

sábado, 19 de março de 2011

A manipulação da opinião pública

Estava aqui a pensar com os meus botões sobre a tensão política que se vive neste momento e o meu pensamento escapou-se para uma memória relacionada com o aborto.
Para quem não sabe, os deputados são normalmente livres de votarem nas tomadas de decisão da Assembleia da República, contudo, os partidos políticos têm uma ferramenta muito útil que lhes permite obrigar todos os deputados da sua cor a votar num determinado sentido.
E foi isso que aconteceu no diploma do aborto. Como o PS tinha a maioria juntamente com os partidos de esquerda, obviamente que foi aprovado com o PSD a votar contra. Mas lembro-me perfeitamente que, ao noticiar esta votação, o canal televisivo salientou o facto de 2 ou 3 deputados do PSD terem votado contra somente por obrigação do partido, já que eram a favor do aborto.
Assaltaram-me logo várias questões. Não haverá nenhum deputado do PS contra o aborto? E havendo esses deputados contra, será que nenhum fez a mesma observação que os do PSD? Isto é, que só votavam a favor, por obrigação?
Pessoalmente, parece-me mais grave uma pessoa sendo contra votar a favor, que sendo a favor vote contra. Logo se é mais grave, mais razões tinha para declarar a sua opinião.
Não conheço suficientemente bem os hábitos do parlamento para tirar ilações, mas as minhas deambulações parecem-me lógicas. Deduzo, portanto, que de ambas as bancadas tenham surgido chamadas de atenção, ao facto de irem votar no sentido contrário à sua opinião por dever partidário.
No entanto, a televisão apenas achou oportuno mostrar que apenas uma minoria votou contra o aborto e, que mesmo dentro dessa minoria, houve pessoas contrariadas.
Se se deu o caso de, efectivamente, não haver ninguém do PS contra o aborto, então os media que me perdoem este comentário, e só posso estar feliz por nunca ter votado neles.

terça-feira, 15 de março de 2011

Psicologia? Não, obrigado!

Tenho uma pequena alergia de estimação por psicólogos. Chego inclusivamente a fazer um trejeito facial quando ouço a palavra.
Normalmente associam essa minha atitude a um certo e determinado grau de loucura. Mas é sempre seguido de espanto e incredulidade. Como é possível alguém ser contra a psicologia? Se não fosse possível eu não existiria. Como existo, é sinal que deve haver algum motivo.

Penso que não foi um dia de manhã, ao acordar, que pensei nisso, mas andou lá perto. E as culpadas por esta ideia são as famílias no concreto, ou a sociedade no geral. E um ponto de partida foi a seguinte constatação: "antigamente, quando os filhos se portavam mal, levavam dois tabefes; hoje em dia, levam-se ao psicólogo".

E este é o cerne da minha alergia. Não é a valia que um tratamento psicológico pode trazer em caso de traumas.  Mas a atitude das pessoas perante a psicologia: "Há um problema? Leva-se ao psicólogo!" Já não é a primeira vez que digo aqui, que há pais que se demitem da sua tarefa de educar e passam-na para os professores e para os psicólogos. As teorias educacionais modernas são importantes, mas levadas ao extremo assustam-me. Porquê? Porque revogam mais de seis mil anos de experiência, com bons resultados.
Um bom exemplo daquilo que quero dizer é a seguinte situação. O pai diz que o filho não pode fazer aquilo. O filho faz. O pai dá-lhe uma palmada. A teoria moderna diz que o pai, primeiro, deveria ter explicado ao filho o porquê de não poder fazer aquilo, e depois deveria ter repreendido com firmeza, castigando com a privação de algo que ela goste, mas sem palmada, porque não é tão traumatizante.
Qual é o meu problema perante esta argumentação? Antes de mais tenho uma divergência teórica: antes da criança agir ou deixar de agir devido ao motivo, deve fazê-lo porque é lhe é dito pelos pais. A explicação do motivo é secundária. Faz parte da educação das regras e dos valores, é impossível ser feito no imediato, deve acontecer ao longo de toda a infância. Se o pai manda, a criança deve obedecer e só depois questionar o porquê. Mas sobretudo, tenho problema com a aplicabilidade. Se já foi a 30ª vez que o filho fez aquilo, já está careca de saber que não deve e o porquê. Da minha experiência, a minha filha passa a vida a repetir os mesmos erros. Será que é necessário repetir a lengalenga sempre todas as vezes? Muitas das vezes o motivo ainda não é perceptível para ela, por isso é irrelevante. Depois, há castigos que não podendo ser aplicados imediatamente perdem efeito. Ela fica confusa quando lhe aplico um castigo por algo que ela fez no dia anterior.

Para mim, a psicologia é fundamental no tratamento de traumas e casos clínicos na generalidade. Tem alguma validade na orientação social, na gestão humana e organizacional e é tudo.

Para terminar, deixo-te com uma imagem parcial, ignorante e satírica da psicologia. Como é um psicólogo pode orientar se não pode interferir com a decisão, valores e moral do paciente?
Orientar implica indicar um rumo ou, no mínimo, apontar os vários pontos cardeais para que a pessoa se posicione. Mas não será o norte já um julgamento subjectivo do psicólogo?
Ajudar uma pessoa a encontrar o rumo por si própria é meritório, mas não seria mais fácil se se pudesse fechar logo à partida algumas portas?

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

"Acredito em Deus, não acredito é na Igreja"

Valham-me todos os Santos para que eu não tenha um ataque cardíaco quando ouço esta frase.

Primeira observação: acreditam num ser transcendente, invisível e todo poderoso;
Segunda observação: mas negam as dezenas de milhares de pessoas que constituem a hierarquia da Igreja e os milhares de milhões de fiéis.
Eu percebo o que elas querem dizer com isto, mas isso não invalida que elas tenham que o dizer como deve ser. O termo que usarei para os referir será, os arrogantes (explico entretanto, ou ficará subentendido :-) ).
Na mesma medida que a mim me dá uma síncope cardíaca e tremores frios quando oiço afirmações ridículas, papagaiadas, a eles basta-lhes ouvir, ler ou subentender o termo Igreja.
E porquê? Porque a Igreja não evolui, e deixa na idade da pedra milhões de fiéis que na sua inocência se deixam levar pelo conto do vigário e não pensam por eles próprios; porque os bispos e os padres são os piores; porque o Papa é rico e anda de carro blindado; o vaticano é podre de rico e não ajuda ninguém; há padres pedófilos, etc...
Por tudo isto "acredita-se em Deus, mas não na Igreja".

Tudo isto seria trágico se fosse mentira. Mas graças a Deus que é tudo verdade, pelo menos da forma como eu o vejo (que não garanto que seja da mesma forma que tu). Portanto, claramente existe aqui uma forma dissonante de encarar a vida entre mim e o arrogante. Talvez consiga explicar melhor dissecando ponto por pontos e subpontos.

a) Porque a Igreja não evolui, e deixa na idade da pedra milhões de fiéis que na sua inocência se deixam levar pelo conto do vigário e não pensam por eles próprios
        i) Não evolui
E passo a acrescentar, "não evolui na direcção que ele gostaria". Penso que o que ele queria mesmo dizer é que a Igreja deveria permitir que as pessoas fizessem o que queriam, mantendo o culto e o transcendente.
Efectivamente a Igreja não evolui. Embora tenhamos passado por diversas convulsões e concílios, tendo a forma se adaptado um pouco aos tempos modernos, o essencial permanece intocável. Refiro-me à Palavra, à ética e à moral. Fruto do estudo da história, o nosso entendimento da Palavra vai sendo aperfeiçoado à medida que vamos compreendendo os contextos em que os textos bíblicos foram escritos. Mas no compto geral, nunca passam de insignificâncias que visam aplacar a nossa ânsia racional de entendimento, sendo que a essência se mantém inalterada ao longo de 2000 anos. Por exemplo, através da passagem "do sacrifício de Isaac" entendemos, entre várias coisas, que Deus não deseja sacrifícios humanos em holocausto. À luz da história percebemos que esta passagem ganha outra dimensão já que a tradição pré-hebraica era rica em sacrifícios de primogénitos aos Deuses. E Abraão, sendo o primeiro monoteísta, quebrou com esta tradição violenta, instaurando o sacrifício animal em vez do humano. Ou seja, embora o entendimento da história dê uma visão mais clara daquela passagem, a interpretação mantêm-se.
Quanto ao facto da Igreja não ser permissiva nem "evoluir na direcção que muitos gostariam", não tem problema. Já há no mercado uma mão cheia de Igrejas À la Carte. Seitas à medida das vontades de cada um. Não chateiem, mudem-se!
Como referi no tópico sobre a relatividade, nós cristãos acreditamos em valores absolutos. Como por exemplo, a vida, a bondade, a paz, o amor, a beleza e o perdão. Se são valores absolutos, são em si incorruptíveis e insubjectiváveis. Logo imutáveis, não têm como evoluir. Porque todos eles derivam de Deus e Deus não muda, Deus é. Nessa medida a Igreja também não mudará.

       ii) fiéis que não pensam por eles próprios
Infelizmente esta é uma grande verdade e é um flagelo à escala planetária. Mas ao contrário do que os arrogantes pensam, esta não é exclusiva da Igreja. Uma obediência séria e comprometida com a Igreja traria inúmeros benefícios inequívocos à sociedade e à própria pessoa, pois, cultivaria a sua própria felicidade diariamente ajudando os pobres e necessitados. Torna-se um problema quando adicionamos outros vectores de influência contrária, nomeadamente, a publicidade e os media, que os incentivam ao despesismo e ao individualismo.
Consoante o apego material de cada indivíduo, penso que a racionalização crítica dos motivos por que se age, tem a propriedade de trazer um grande benefício pessoal e um pensamento independente. Por exemplo: somos levados a crer num determinado estereótipo de beleza física, de tal modo, que o sobrepomos ao cultivo da beleza interior com sentimentos de bondade, mansidão, alegria e paz. E se entendermos que o cultivo da beleza é um meio para conquistar um parceiro ou o simples sentir-se bem, qual das duas belezas será a mais eficaz? A aparência tendo um papel importante na conquista amorosa, torna-se quase obsoleta numa relação duradoura. Tem o condão de trazer muitas paixões, mas poucos amores. De modo análogo, se atendermos à necessidade de nos sentirmos bem, a alegria e a paz superam largamente a beleza física. Pior, se os padrões físicos forem demasiado exigentes, é natural que a auto confiança desapareça com o passar dos anos. Quero com isto explicar que, racionalmente, a beleza interior devia ser prioritária sobre a beleza física, mas existe uma pressão dos media brutal para inverter a prioridade, ou fabricar novos objectivos que foquem apenas a beleza exterior.


b) Porque os bispos e os padres são os piores
Tenho alguma dificuldade em contextualizar esta afirmação, mas penso que será no sentido em que os padres e bispos pregam uma coisa dentro das portas e, lá fora, são como os outros ou piores.
Mal de mim se não admitisse que toda a regra tem uma excepção. Mas é consensual que a hipocrisia é muito mal vista. Por isso, como humanos que são, os padres são tentados das mais variadas formas, e quando não resistem, fruto da sua própria hipocrisia, a sua acção parece mais condenável.
Mas na sua maioria, fora qualquer defeito pessoal que sempre existe, os padres são pessoas excepcionais na entrega e dedicação. Há uns poucos que chegam a ser extraordinários. Verdadeiras forças da natureza, incansáveis no auxílio aos outros. Mas aos olhos de muitos continuam os piores porque não atiram críticas a torto e direito como todos os outros, porque falam mal do consumismo e do materialismo, metem-se na vida de toda a gente, não nos dizem o que queremos ouvir, etc...
Mas esta frase tem sobretudo uma verdade intrínseca, embora quase imperceptível. Se ser o pior, significa ser o mais pecador, os padres têm obrigação de ganhar aos pontos a todos. Como referi no tópico sobre o pecado, a ignorância não é pecado. Logo, sendo os padres verdadeiros doutores sobre a matéria, devem conseguir identificar em si mesmos uma infinidade de pecados, que qualquer outra pessoa nem imagina que o sejam.

c) Porque o Papa é rico e anda de carro blindado e tem mil mordomias
Mais um conjunto de factos. O Papa é um ser humano brilhante, uma personalidade riquíssima e carismática. Não creio que tenha nenhuma riqueza ou património pessoal. Se o tiver, seguramente será a nível familiar, património esse sobre o qual não tem poderes particulares.
Se tem carro blindado é porque sabe que a posição que ocupa é dada a ódios cegos. E já diz o ditado "Fia-te na Virgem e não corras!" Que quer dizer, se estamos em perigo, há que não esquecer que Deus antes de mandar milagrosamente uma equipa de intervenção SWAT, deu-nos inteligência, capacidade de ponderação e prevenção. Se tenho inteligência para evitar ou prevenir uma situação complicada, não devo sentar e esperar que Deus resolva por mim, ou esperar que o pior não aconteça.
Finalmente, as mil mordomias, vestes ricas e palácios sumptuosos, vêm de pessoas que o querem servir, do significado das vestes e do património que não lhe pertence, mas deve cuidar. Ou alguém pensa que ele e os bispos vestem aquela catrefada de vestimentas, com todos os preceitos, cores e materiais, porque quer? É porque é aquilo que o seu cargo exige. A Igreja é uma instituição tradicionalmente simbólica. Os rituais, locais e materiais são profundamente simbólicos. Por exemplo, a água, o incenso, as flores, a vela, o ajoelhar, o vinho, entre muitos outros, mostram muito mais do que aparentam. Com os materiais sucede o mesmo. Há uma tradição antiga que se baseia na doutrina do dar a Deus o que temos de mais precioso. Portanto, quando fazemos alguma coisa para Deus é conveniente que o façamos de forma bela e dedicada, com sacrifício pessoal. Juntando tudo, percebe-se que é diferente usar uma flor ou diversos arranjos que perfumam o ar e alegram a vista, usar ouro em vez de cobre, vestir uma simples túnica ou um manto bordado.
É praticamente um dado adquirido que é o nosso coração e a forma com que fazemos as coisas que importa para Deus, mas enquanto ser humano, sei que há coisas que exigem maior sacrifício e que têm maior valor do que outras.
Parece que quando toca à Igreja, se exige um jeito forçado de humildade. Como se para ajudar o próximo, tivéssemos que andar andrajosos. É um sentimento de arrogância, exigir a humildade nos outros. Pois a humildade verdadeira não se exalta perante a riqueza ou a pobreza, aceita a incapacidade humana de conhecer todos os motivos e razões, e de ter um juízo falível.

d) O Vaticano é rico e não ajuda ninguém
Mais uma verdade em si. O Vaticano é rico em património e gere um gigantesco fluxo de dinheiro. Há quem ache que o Vaticano tem uma conta recheada de dinheiro que podia matar a fome a toda a gente no mundo, e que poderia vender todo o património para dar aos pobres. Qualquer uma das afirmações é falsa. Tão falsa como um gestor bancário ser rico, só porque gere um fluxo de milhares de euros por dia; ou o estado português poder vender a Torre de Belém a um consorcio Japonês! Não vejo o Estado portugês a vender território ou património (palácios, castelos, museus, florestas), para pagar o buraco da segurança social. Porquê? Porque não pode. Não lhe pertence. É apenas seu dever gerir e cuidar. E ainda assim tem um partimónio cultural, natural e histórico impressionante.
O Vaticano enquanto parte da Igreja, é efectivamente limitativo no auxílio directo aos pobres e necessitados. Mas faz comigo um exercício hipotético. Vamos estabelecer um objectivo: ajudar o maior número de pobres a comer uma refeição por dia. De acordo com os arrogantes, eu deveria vender a minha casa e os meus bens para não ser hipócrita já que eu não ligo muito às coisas materiais. Fiz isso tudo e consegui alimentar 10 famílias durante um mês e depois disso apenas uma família diariamente. Como vendi todos os meus bens, tive que alugar uma casa, mas continuei a pagar o colégio da minha filha e alimentar a minha família. Com a venda dos bens conseguir suportar 10 famílias durante um mês, mas o meu salário regular apenas me permite ajudar uma. Saldo: 10 famílias um mês (que voltaram a passar fome logo de seguida) + 1 família.
Agora, se em vez de dedicar o meu tempo e dinheiro directamente com o pobres, graças ao meu carisma conseguir cativar 10 ou 20 pessoas para fazerem o mesmo, gastando o meu tempo e dinheiro a auxiliá-las, e a cativar novos membros para a causa, e a ir pedir patrocínios para que os meus amigos consigam ajudar mais, e a criar eventos e organizações de angariação de dinheiro, quantas pessoas conseguirei ajudar? Directamente? 10 ou 20, pois não tenho dúvidas que ao cativá-los para a missão estou a ajudá-los a estarem bem consigo mesmos. Indirectamente? Incontáveis. Quanto contacto directo tive com os pobres? Zero.

e) Há padres pedófilos
E também há padres mentirosos, tristes, gulosos, psicóticos, ladrões. Mas são apenas uma minoria. Tal como em toda a sociedade. Têm o condão de nos mostrar que os padres também são humanos.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Mudança

Nunca te aconteceu pensares "no meu tempo é que era"?
Ou simplesmente "no meu tempo..."?
Penso que estas frases são utilizadas quando estamos perante alguém mais novo, e o tempo referido é o de quando tínhamos a sua idade. Ou no oposto, já as ouvimos muitas vezes de alguém mais velho. Mas se virmos o seu sentido literal, "no meu tempo é que era" é um paradoxo. O meu tempo é todo tempo enquanto vivo, desde que fui concebido até ao momento da minha morte.
Mas isto sou eu a divagar, onde quero chegar é que oiço esta expressão muitas vezes, como se o tempo actual tivesse lacunas que não existiam antes. De uma forma saudosista posso especular que crescer na década de 70 ou inícios de 80 foi muito mais fácil do que é hoje em dia. Nós podíamos andar na rua até tarde, se queríamos passar um bom bocado íamos ter com os amigos, a família reunia-se ao domingo à noite para ver a missão impossível, o Justiceiro ou o MacGyver. Tínhamos aulas só de manhã ou de tarde, todos sabíamos os nossos limites e todos levámos a nossa dose de palmadas e castigos quando os ultrapassámos.
Havia menos, muito menos focos de distracção (oferta de ocupações), e quanto mais recuarmos no tempo, mais isto é uma verdade, os jogos e brincadeiras eram em grupo, simples e muitas vezes inventados ou manufacturados. Não havia teorias sobre como educar os filhos, simplesmente educava-se.

Mas a verdade é que somos seres racionalmente complexos. Noutra circunstância seríamos os primeiros a argumentar as maravilhas dos tempos actuais. Pelo que vivi e pelo que vejo, todos somos criticos da mudança. Não há ninguém que seja a favor que tudo mude sempre, nem que nada nunca mude. A dificuldade está em encontrar alguém que consiga manter a imparcialidade. Eu consigo ver as comodidades que hoje usufruo como melhores do que as que tinha há 20 anos atrás, mas vejo com muita relutância a sofisticação e o leque de criminalidade actual ou a leveza com que se encara o núcleo familiar.

Um dos maiores problemas a que tenho assitido actualmente é a cultivação do ego e a desresponsabilização perante o outro. São as duas faces da mesma moeda. Quando penso em mim, não consigo pensar no outro. Coexistem e são cultivadas as noções de sucesso pessoal e de inevitabilidade social. Quero dizer que somos levados a crer que podemos ser tudo aquilo que quisermos, mas não existe forma de interferirmos com o que se passa à nossa volta, porque a liberdade individual é sagrada. E pelo que tenho visto, esta impotência perante a acção do outro chegou, inclusivé, aos pais perante os filhos. Já vi pais demitirem-se da tarefa de escolherem pelos seus filhos. E já vi jovens resignados com aquilo que o futuro possa trazer aos seus filhos, não aceitando ou acreditando no seu poder de os educar a serem ou fazerem algo. É para mim complicado ouvir um jovem dizer "mas como é que tu sabes que a tua filha irá para a Universidade? Não admites que ela possa escolher outro caminho?" Isto não anda longe de "Como é podes evitar que a tua filhe engravide na juventude ou se meta na droga?" Ilustra aquilo que referi atrás, demitem-se do seu papel pois estão impregnados de um sentimento de impotência social, a influência social (dos amigos, da televisão ou da escola) poderá ser demasiado forte para que as suas opiniões prevaleçam, ou no limite, têm medo de estar a limitar a liberdade do outro de fazer as suas escolhas.

A minha opinião sobre este tema é simples e descomplexada. A sociedade muda, é um facto. Empurra-nos e alicia-nos a todos para determinado rumo. A mudança traz oportunidades e desafios, benefícios e desajustamentos. Nem tudo é bom ou mau. Cabe-nos a tarefa de aproveitar os fluxos da mudança, mas fincar o pé àquilo que achamos que não deve mudar. E, la piéce de resitance, se algo não é bom para nós, possivelmente também não será para outros. Por isso, não basta lutar por nós. A isto chama-se responsabilização social ou, se estivermos a falar dos próprios filhos, educação.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

um seguidor

Estou extasiado.
Já sabia que tinha pelo menos um ou dois leitores assíduos a este blogue. Mas agora já tenho um seguidor. Quando chegar aos 12 fundo a minha própria igreja :)
Ontem um amigo disse-me que gostou do meu blogue, mas que achava que eu tinha muito mais para dar, que me estava a prender demasiado com religiosismos.
Confesso que a minha ideia inicial era essa. Mas de uma forma um pouco inconsciente, fui utilizando o blogue para dar respostas a ofensas e sentimentos que fui vivendo ao longo desde ano, ou simplesmente fazer eco de conversas que tive. E como a Igreja Católica está muito na berra, surge sempre um assunto religioso para falar. Só com raras excepções escrevi algo a partir de nada.

Talvez possa fazê-lo de agora em diante. Não há dúvida que não tenho dificuldade em dissertar sobre temas que estão relacionados com a vida humana. Talvez me possas ajudar. Sugere temas sobre os quais gostavas que me debruçasse.

Finalmente: quando chegar aos 12 seguidores marco um jantar com direito a prelecção. A este ritmo será daqui a 11 anos ;) Com direito a repetição sempre que alcançar multiplos de 12. Reservo, no entanto, o direito de revogar esta decisão se, por uma quase impossibilidade, o número de seguidores crescer a um ritmo superior a 12 por mês.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Jesus era Judeu, logo...

Não há muito tempo confrontaram-me com a seguinte questão: "Jesus era Judeu. Se ser Cristão significa viver à imagem Jesus e tentar viver como ele viveu, não deviam os Cristãos ser Judeus?" Obviamente a questão não me foi colocada assim tão direitinha, mas o objectivo da resposta era exactamente o mesmo.
Ao qual eu acrecentei: "não era só Judeu, era um excelente Judeu!"

Esta dedução é obviamente ingénua. E a minha primeira impressão transparece alguma dose de malícia da minha parte. Jesus não foi SEMPRE um judeu exemplar, pelo menos aos olhos dos Doutores da Lei da época. É sabido que ele era Rabi, pregava e discutia a Palavra nos templos. Isto diz-nos que ele começou por ser respeitado. Os evangelhos dizem-nos que já em criança ele mostrava grande sabedoria.
Mas sabemos igualmente que, no decorrer da vida pública, foi incomodando diversas forças e costumes estabelecidos. É sabido que Jesus colocava as pessoas acima das centenas de rituais e preceitos judaicos. A sua interpretação da Lei Mosaica (isto é, de Moisés) era única e holística (isto é, vista como um todo) e nunca aplicada às cegas. Jesus criticou fortemente todo o judeu hipócrita que vivia preocupado com as aparências. Fez coisas impensáveis àqueles Doutores da Lei, como privar com pecadores, não guardar os sábados e, acima de tudo, chamar-se Filho de Deus. Tirando esta última, que claramente poderia ser apontada por blasfémia, na minha opinião, nenhuma das outras poderia ser apontada como ofensiva à Lei Mosaica, já que sendo possível estabelecer uma hierarquia de preceitos, Jesus só quebrava preceitos para não incorrer em faltas mais severas à Lei. E nunca por discordar deles. É caso para dizer, porque estava preocupado com o que realmente era importante.

Agora, é preciso ser um grande desconhecedor da vida de Jesus para afirmar que para sermos à imagem dele, teríamos que ser Judeus.
Primeiro, se Cristo fosse um simples judeu, é claro que hoje não haveria cristianismo, a nossa principal referência seria Moisés e ainda teríamos o "olho por olho, dente por dente".
Segundo, acreditando que Cristo é o filho de Deus, fica difícil continuar a dar a mesma importância a Moisés, ou noutra pespectiva, dar menos importância à ressureição que à libertação do cativeiro no Egipto.
Terceiro, quando ouvimos o relato directo de Deus, em primeira mão, tudo quanto foi transmitido por intermediários, parece incompleto.

Portanto, Cristo não foi simplesmente um Judeu, nem tão pouco um Judeu como os outros. Aliás, só com Cristo a revelação divina ao homem ficou completa. Só aqui ficamos verdadeiramente a conhecer Deus, bem como, a saber na totalidade do Seu projecto para a humanidade.
Assim, ser cristão significa efectivamente viver a Lei Mosaica segundo os modos de Jesus, mas ainda assim, só depois dele a completar. E não há duvidas para ninguém sobre que caminho seguir perante uma lei incompleta e temporária e outra derradeira e definitiva.