quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

"Acredito em Deus, não acredito é na Igreja"

Valham-me todos os Santos para que eu não tenha um ataque cardíaco quando ouço esta frase.

Primeira observação: acreditam num ser transcendente, invisível e todo poderoso;
Segunda observação: mas negam as dezenas de milhares de pessoas que constituem a hierarquia da Igreja e os milhares de milhões de fiéis.
Eu percebo o que elas querem dizer com isto, mas isso não invalida que elas tenham que o dizer como deve ser. O termo que usarei para os referir será, os arrogantes (explico entretanto, ou ficará subentendido :-) ).
Na mesma medida que a mim me dá uma síncope cardíaca e tremores frios quando oiço afirmações ridículas, papagaiadas, a eles basta-lhes ouvir, ler ou subentender o termo Igreja.
E porquê? Porque a Igreja não evolui, e deixa na idade da pedra milhões de fiéis que na sua inocência se deixam levar pelo conto do vigário e não pensam por eles próprios; porque os bispos e os padres são os piores; porque o Papa é rico e anda de carro blindado; o vaticano é podre de rico e não ajuda ninguém; há padres pedófilos, etc...
Por tudo isto "acredita-se em Deus, mas não na Igreja".

Tudo isto seria trágico se fosse mentira. Mas graças a Deus que é tudo verdade, pelo menos da forma como eu o vejo (que não garanto que seja da mesma forma que tu). Portanto, claramente existe aqui uma forma dissonante de encarar a vida entre mim e o arrogante. Talvez consiga explicar melhor dissecando ponto por pontos e subpontos.

a) Porque a Igreja não evolui, e deixa na idade da pedra milhões de fiéis que na sua inocência se deixam levar pelo conto do vigário e não pensam por eles próprios
        i) Não evolui
E passo a acrescentar, "não evolui na direcção que ele gostaria". Penso que o que ele queria mesmo dizer é que a Igreja deveria permitir que as pessoas fizessem o que queriam, mantendo o culto e o transcendente.
Efectivamente a Igreja não evolui. Embora tenhamos passado por diversas convulsões e concílios, tendo a forma se adaptado um pouco aos tempos modernos, o essencial permanece intocável. Refiro-me à Palavra, à ética e à moral. Fruto do estudo da história, o nosso entendimento da Palavra vai sendo aperfeiçoado à medida que vamos compreendendo os contextos em que os textos bíblicos foram escritos. Mas no compto geral, nunca passam de insignificâncias que visam aplacar a nossa ânsia racional de entendimento, sendo que a essência se mantém inalterada ao longo de 2000 anos. Por exemplo, através da passagem "do sacrifício de Isaac" entendemos, entre várias coisas, que Deus não deseja sacrifícios humanos em holocausto. À luz da história percebemos que esta passagem ganha outra dimensão já que a tradição pré-hebraica era rica em sacrifícios de primogénitos aos Deuses. E Abraão, sendo o primeiro monoteísta, quebrou com esta tradição violenta, instaurando o sacrifício animal em vez do humano. Ou seja, embora o entendimento da história dê uma visão mais clara daquela passagem, a interpretação mantêm-se.
Quanto ao facto da Igreja não ser permissiva nem "evoluir na direcção que muitos gostariam", não tem problema. Já há no mercado uma mão cheia de Igrejas À la Carte. Seitas à medida das vontades de cada um. Não chateiem, mudem-se!
Como referi no tópico sobre a relatividade, nós cristãos acreditamos em valores absolutos. Como por exemplo, a vida, a bondade, a paz, o amor, a beleza e o perdão. Se são valores absolutos, são em si incorruptíveis e insubjectiváveis. Logo imutáveis, não têm como evoluir. Porque todos eles derivam de Deus e Deus não muda, Deus é. Nessa medida a Igreja também não mudará.

       ii) fiéis que não pensam por eles próprios
Infelizmente esta é uma grande verdade e é um flagelo à escala planetária. Mas ao contrário do que os arrogantes pensam, esta não é exclusiva da Igreja. Uma obediência séria e comprometida com a Igreja traria inúmeros benefícios inequívocos à sociedade e à própria pessoa, pois, cultivaria a sua própria felicidade diariamente ajudando os pobres e necessitados. Torna-se um problema quando adicionamos outros vectores de influência contrária, nomeadamente, a publicidade e os media, que os incentivam ao despesismo e ao individualismo.
Consoante o apego material de cada indivíduo, penso que a racionalização crítica dos motivos por que se age, tem a propriedade de trazer um grande benefício pessoal e um pensamento independente. Por exemplo: somos levados a crer num determinado estereótipo de beleza física, de tal modo, que o sobrepomos ao cultivo da beleza interior com sentimentos de bondade, mansidão, alegria e paz. E se entendermos que o cultivo da beleza é um meio para conquistar um parceiro ou o simples sentir-se bem, qual das duas belezas será a mais eficaz? A aparência tendo um papel importante na conquista amorosa, torna-se quase obsoleta numa relação duradoura. Tem o condão de trazer muitas paixões, mas poucos amores. De modo análogo, se atendermos à necessidade de nos sentirmos bem, a alegria e a paz superam largamente a beleza física. Pior, se os padrões físicos forem demasiado exigentes, é natural que a auto confiança desapareça com o passar dos anos. Quero com isto explicar que, racionalmente, a beleza interior devia ser prioritária sobre a beleza física, mas existe uma pressão dos media brutal para inverter a prioridade, ou fabricar novos objectivos que foquem apenas a beleza exterior.


b) Porque os bispos e os padres são os piores
Tenho alguma dificuldade em contextualizar esta afirmação, mas penso que será no sentido em que os padres e bispos pregam uma coisa dentro das portas e, lá fora, são como os outros ou piores.
Mal de mim se não admitisse que toda a regra tem uma excepção. Mas é consensual que a hipocrisia é muito mal vista. Por isso, como humanos que são, os padres são tentados das mais variadas formas, e quando não resistem, fruto da sua própria hipocrisia, a sua acção parece mais condenável.
Mas na sua maioria, fora qualquer defeito pessoal que sempre existe, os padres são pessoas excepcionais na entrega e dedicação. Há uns poucos que chegam a ser extraordinários. Verdadeiras forças da natureza, incansáveis no auxílio aos outros. Mas aos olhos de muitos continuam os piores porque não atiram críticas a torto e direito como todos os outros, porque falam mal do consumismo e do materialismo, metem-se na vida de toda a gente, não nos dizem o que queremos ouvir, etc...
Mas esta frase tem sobretudo uma verdade intrínseca, embora quase imperceptível. Se ser o pior, significa ser o mais pecador, os padres têm obrigação de ganhar aos pontos a todos. Como referi no tópico sobre o pecado, a ignorância não é pecado. Logo, sendo os padres verdadeiros doutores sobre a matéria, devem conseguir identificar em si mesmos uma infinidade de pecados, que qualquer outra pessoa nem imagina que o sejam.

c) Porque o Papa é rico e anda de carro blindado e tem mil mordomias
Mais um conjunto de factos. O Papa é um ser humano brilhante, uma personalidade riquíssima e carismática. Não creio que tenha nenhuma riqueza ou património pessoal. Se o tiver, seguramente será a nível familiar, património esse sobre o qual não tem poderes particulares.
Se tem carro blindado é porque sabe que a posição que ocupa é dada a ódios cegos. E já diz o ditado "Fia-te na Virgem e não corras!" Que quer dizer, se estamos em perigo, há que não esquecer que Deus antes de mandar milagrosamente uma equipa de intervenção SWAT, deu-nos inteligência, capacidade de ponderação e prevenção. Se tenho inteligência para evitar ou prevenir uma situação complicada, não devo sentar e esperar que Deus resolva por mim, ou esperar que o pior não aconteça.
Finalmente, as mil mordomias, vestes ricas e palácios sumptuosos, vêm de pessoas que o querem servir, do significado das vestes e do património que não lhe pertence, mas deve cuidar. Ou alguém pensa que ele e os bispos vestem aquela catrefada de vestimentas, com todos os preceitos, cores e materiais, porque quer? É porque é aquilo que o seu cargo exige. A Igreja é uma instituição tradicionalmente simbólica. Os rituais, locais e materiais são profundamente simbólicos. Por exemplo, a água, o incenso, as flores, a vela, o ajoelhar, o vinho, entre muitos outros, mostram muito mais do que aparentam. Com os materiais sucede o mesmo. Há uma tradição antiga que se baseia na doutrina do dar a Deus o que temos de mais precioso. Portanto, quando fazemos alguma coisa para Deus é conveniente que o façamos de forma bela e dedicada, com sacrifício pessoal. Juntando tudo, percebe-se que é diferente usar uma flor ou diversos arranjos que perfumam o ar e alegram a vista, usar ouro em vez de cobre, vestir uma simples túnica ou um manto bordado.
É praticamente um dado adquirido que é o nosso coração e a forma com que fazemos as coisas que importa para Deus, mas enquanto ser humano, sei que há coisas que exigem maior sacrifício e que têm maior valor do que outras.
Parece que quando toca à Igreja, se exige um jeito forçado de humildade. Como se para ajudar o próximo, tivéssemos que andar andrajosos. É um sentimento de arrogância, exigir a humildade nos outros. Pois a humildade verdadeira não se exalta perante a riqueza ou a pobreza, aceita a incapacidade humana de conhecer todos os motivos e razões, e de ter um juízo falível.

d) O Vaticano é rico e não ajuda ninguém
Mais uma verdade em si. O Vaticano é rico em património e gere um gigantesco fluxo de dinheiro. Há quem ache que o Vaticano tem uma conta recheada de dinheiro que podia matar a fome a toda a gente no mundo, e que poderia vender todo o património para dar aos pobres. Qualquer uma das afirmações é falsa. Tão falsa como um gestor bancário ser rico, só porque gere um fluxo de milhares de euros por dia; ou o estado português poder vender a Torre de Belém a um consorcio Japonês! Não vejo o Estado portugês a vender território ou património (palácios, castelos, museus, florestas), para pagar o buraco da segurança social. Porquê? Porque não pode. Não lhe pertence. É apenas seu dever gerir e cuidar. E ainda assim tem um partimónio cultural, natural e histórico impressionante.
O Vaticano enquanto parte da Igreja, é efectivamente limitativo no auxílio directo aos pobres e necessitados. Mas faz comigo um exercício hipotético. Vamos estabelecer um objectivo: ajudar o maior número de pobres a comer uma refeição por dia. De acordo com os arrogantes, eu deveria vender a minha casa e os meus bens para não ser hipócrita já que eu não ligo muito às coisas materiais. Fiz isso tudo e consegui alimentar 10 famílias durante um mês e depois disso apenas uma família diariamente. Como vendi todos os meus bens, tive que alugar uma casa, mas continuei a pagar o colégio da minha filha e alimentar a minha família. Com a venda dos bens conseguir suportar 10 famílias durante um mês, mas o meu salário regular apenas me permite ajudar uma. Saldo: 10 famílias um mês (que voltaram a passar fome logo de seguida) + 1 família.
Agora, se em vez de dedicar o meu tempo e dinheiro directamente com o pobres, graças ao meu carisma conseguir cativar 10 ou 20 pessoas para fazerem o mesmo, gastando o meu tempo e dinheiro a auxiliá-las, e a cativar novos membros para a causa, e a ir pedir patrocínios para que os meus amigos consigam ajudar mais, e a criar eventos e organizações de angariação de dinheiro, quantas pessoas conseguirei ajudar? Directamente? 10 ou 20, pois não tenho dúvidas que ao cativá-los para a missão estou a ajudá-los a estarem bem consigo mesmos. Indirectamente? Incontáveis. Quanto contacto directo tive com os pobres? Zero.

e) Há padres pedófilos
E também há padres mentirosos, tristes, gulosos, psicóticos, ladrões. Mas são apenas uma minoria. Tal como em toda a sociedade. Têm o condão de nos mostrar que os padres também são humanos.

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