Hoje saiu uma notícia a dar conta do processo de santificação do Papa João Paulo II. Um certo jornal italiano especulava que o Vaticano teria validado o segundo milagre atribuído a João Paulo II. Não foi a notícia em si que me fez escrever este post, mas antes os comentários que foram escritos online.
Exemplos:
- "Mas em pleno século XXI ainda há gente que acredita nesta treta de milagres? Só os beatos e fundamentalistas que não pensam e se deixam manipular por ideias arcaicas ...Usem da razão meus Senhores !!!"
- "As pessoas esquecem-se rápidamente dos milhões de pessoas que foram mortas em nome da Santa Inquisição! Esquecem-se dos milhares de nativos que foram mortos em nome da Cristianização! Acham que Deus permitiria isso? Esquecem-se das ligações secretas a governos tiranos, esquecem-se dos casos de pedofilia, esquecem-se dos tempos anti-ciência! Enfim..."
- ""A cura da religiosa francesa Marie Simon-Pierre, que padecia de Parkinson, tal como João Paulo II, foi considerada milagrosa, referiram".ENTÃO JOÃO PAULO II TINHA A MESMA DOENÇA, O PARKINSON, QUE A RELIGIOSA QUE CUROU E NÃO SE CONSEGUIU CURAR A SI MESMO COMO O FEZ À RELIGIOSA? ALGO AQUI NÃO BATE CERTO"
Temos aqui três tipos de pessoas: a primeira, um ateu puro e duro; a segunda, alguém que acredita em Deus mas tem uma revolta contra a Igreja Católica e; a terceira, a minha preferida, um amigo dos soldados que escarneciam de Jesus por altura da paixão.
O meu primeiro pensamento vai para a quantidade de pessoas que se revolta com estas coisas. Coisas que não lhes dizem respeito e que tão pouco compreendem, inspiram, por um lado, revolta e angustia, e por outro, sentimento de superioridade.
Por um motivo que não tenho a certeza de compreender, a Igreja, a política e o futebol têm a capacidade de exaltar espíritos.
Este pensamento entristece-me por um motivo. É sabido que alguém que profere palavras revoltosas ou iradas está revoltado ou irado.
O primeiro comentário, merece-me o seguinte apontamento. Os ateus são pessoas estranhas. Porquê, porque dizem que não acreditam em Deus, que a Ciência é que é. Isto faz-me espécie porque os valores católicos deram origem aos direitos humanos que temos hoje, ao invés, os cientistas estão sempre numa fadiga para se contradizerem e deitarem teorias existentes por terra. Não é estranho acreditar numa coisa que está sempre a mudar de opinião? A minha opinião sobre o processo científico é simples: É útil e deve ser estimulada.
A pessoa vai mais longe insultando quatro quintos da população mundial (estou a inventar este rácio, onde quero chegar é que é uma grande maioria) que acredita em milagres e fenómenos inexplicáveis. Que um ateu reconheça a incapacidade da ciência, eu aceito como argumento, agora negar taxativamente que estes eventos alguma vez aconteceram é ser cabeça dura. Será possível que não tenha ouvido falar da quantidade de casos documentados de remissão expontânea de doenças crónicas e terminais? Especulando que o sentido do comentário depreciativo é de que efectivamente as coisas inexplicáveis terão, mais tarde ou mais cedo, resposta científica, remete-nos para uma crise conceptual. Senão vejamos:
Ateu, por definição, rejeita Deus. Deus é, por definição, um ser superior, transcendente e poderoso. De tal modo que só por intermédio da fé, é possível acreditar em Deus. Pois fé, é uma capacidade que nos permite acreditar naquilo que não vemos ou experenciamos pessoalmente. Se nos confinarmos à versão comum de fé, esta é exclusiva da religião. Em lato senso eu argumentaria que não, mas para o caso é pertinente focarmos nesta posição. Agora diz-me se fores capaz: o que é que leva uma pessoa a afirmar que mais tarde ou mais cedo, um suposto milagre terá explicação científica? Eu diria, a fé na ciência. E esta hein? Afinal parece mesmo que a Fé está geneticamente programada na humanidade. E quando há um zelo excessivo em negar Deus, esta encontra outra forma de se manifestar. Aliás, é a negação absoluta de Deus que eleva a ciência a um estado de superioridade, poder e, pasmem-se, transcendência (ou não será a trascendência a capacidade de superar os limites do conhecido, no normal?) E vou ainda mais longe, enquanto nós Católicos temos uma fé normalmente fraca, fruto do desconhecimento, os nossos amigos ateus têm uma fé cega e absoluta na ciência. Porquê cega? Podem mil e uma teorias vir destronar mil teorias que no limite, qual uma assímptota, tem que estar a ciência.
O segundo comentário é uma critica directa à Igreja Católica. Provavelmente por um agnóstico, mas não é de excluir uma seita ou um protestante. Eu quando quero ofender alguém também gosto de distorcer, exagerar e atirar-lhe à cara os erros que ele fez no passado (por acaso nem é bem verdade, mas acho que é assim que a maioria das pessoas funciona). É facto sabido que não sou historiador, mas tenho uma costela de cientista, e quando quero ser levado a sério tento não cometer imprecisões e quando estou a especular, advirto o meu interlocutor. Primeiro, é muito fácil dizer que a Inquisição matou milhões de pessoas (adjectiva-la de Santa foi um golpe de mestre). Só em Portugal e Espanha, onde esta foi bem activa, deve ter matado mais de um milhão. O problema é que pelas minhas estimativas, no século dezasseis e dezassete a população da peninsula ibérica não deveria ter mais que uma dúzia de milhões de pessoas. É portanto legítimo afirmar que a Inquisição matou 1 em cada 10 pessoas? Para isso todas as famílias tinham que ter entre 2 a 3 familiares na fogueira. Parece-me claramente descabido. Uma única pessoa que tivesse morrido pela Inquisição já era demais, mas não queiram atirar-me areia para os olhos; outra imprecisão e ainda não saímos da 1ª frase: as mortes não ocorreram em nome da Inquisição, mas por intermédio da Inquisição em nome de Deus. Outro erro crasso é atribuir as mortes do afã descobridor dos nossos amigos espanhóis à evangelização. É um facto que haveria um excesso de zelo, mas não foi concerteza por causa do evangelho, mais sim da prata e do ouro. A igreja teve culpas no cartório com certeza, mas dizer que o frades e os padres andaram de espada na mão é exagero desde as cruzadas. E segue-se "la pièce de résistance" deste comentário: "Acham que Deus permitiria isso?" Das duas uma, ou ela está a insinuar que nada daquilo que escreveu antes aconteceu porque Deus não permite estas coisas, ou temos aqui um caso grave de falta de vocabulário e de linguarudice e, obviamente, de completo desconhecimento de Deus. Pois se aconteceu é porque Deus permitiu. Até o nosso amigo ateu vê isso. Toda a gente sabe que Deus não se intromete nas nossas escolhas. Depois continua com uma teoria da conspiração que eu não compreendo, logo abstenho-me de comentar, e termina com duas farpas bem afiadas que como se sabe é o equivalente a uma discussão entre miúdos "tu cheiras mal". É um comentário sempre à mão. A questão da pedofilia na Igreja faz-me lembrar a questão da gripe A no ano passado. De um momento para o outro, começaram a morrer pessoas por causa da gripe A. Chegou a ponderar-se uma pandemia. De um momento para o outro, a gripe sazonal deixou de matar pessoas. Ainda estou para saber as estatisticas que digam que a gripe A é mais mortal comparativamente à gripe sazonal, e que o número de mortos entre a gripe sazonal e a gripe A foi muito superior relativamente aos anos anteriores. O problema é que todo os outros casos de pedofilia (com excepção dos famosos) não dão notícias tão boas. Quem é que quer saber se o Sr Joaquim no alentejo é pedófilo? E para terminar, quanto aos tempos anti-ciência faz-me crer que o comentarista ainda acredita no Pai Natal. É que se lhe for perguntado em que medida a Igreja impediu o avanço da ciência, vai sair-lhe na ponta da lingua: Galileu. Teria muito a dizer sobre este assunto, mas para já basta-me isto: o que me dirias se eu afirmasse o "a terra gira sobre si"! Dirias concerteza "é um facto comprovado". E se eu justificar essa afirmação com observação das marés? Dirias "és pateta, porque as marés formam-se porque a Lua anda à volta da terra". E eu concluo, qual é o mérito de afirmar verdade justificando erradamente, ou arranjando justificações exotéricas? Galileu não foi condenado por dizer que a terra gira à volta do sol (a bem da verdade a ideia não era nova) mas por querer arranjar justificações exotéricas para isso, ou pior, querer extrapolar conclusões exotéricas para a dourina da Igreja. A afirmação que a Igreja é ou foi anti-ciência é uma vil e falsa afirmação. Não vale esquecer-se que ciência é um conceito moderno. Aquilo que nós hoje chamamos História, Quimica, Fisica, Economia, etc.. sempre foi Filosofia, Astronomia e Alquimia e a Igreja sempre foi a favor do conhecimento e embora pudesse ter alguma desconfiança com a Alquimia nunca deixou de ter padres Filósofos, Astrónomos e Alquimicos. A única preocupação, desde Santo Agostinho, foi na demarcação de Fé e Ciência e de evitar extrapolações de um para o outro.
E o meu preferido por último. Então o Papa João Paulo II curou uma pessoa e não se curou a ele mesmo, que tinha exactamente a mesma doença? É claramente o meu preferido porque os próprios soldados que levaram, escarneceram e maltrataram Jesus desde que foi condenado à morte, disseram exactamente as mesmas palavras. E ou muito estou enganado ou o nosso amigo comentarista não conhece esta passagem biblica. "salvou os outros, salve-se a si mesmo!" E ao proferi-las, em vez de estar a atacar a pensamento católico como era seu objectivo com este comentário, está simplesmente a reforçá-lo pois não há católico que não conheça esta passagem. E ficamos os dois felizes!
Não é minha intenção justificar a decisão de Cristo de morrer na cruz e não ceder à tentação de se livrar de tudo aquilo, mas este caso é muito simples: a canonização ocorre quando é comprovado um milagre por intercessão do beato. Isto quer dizer que o papa já estava morto quando ocorreu este milagre. A única coisa que a Igreja tem de se certificar é a que beato ou santo o curado tinha pedido intercessão. E mais, um milagre não acontece por vontade do intercessor, mas pela fé do curado. Mesmo Cristo, no seu tempo, não curava quem queria, mas quem acreditava que Ele o podia curar. Hoje em dia, ocorre de igual maneira, nunca seria o Papa João Paulo a ter o poder de curar, mas somente a fé do doente.