quinta-feira, 17 de maio de 2012

Amar Deus é irracional

1º Mandamento: amarás o Senhor teu Deus acima de todas as coisas.

Não te intriga que uma religião peça aos seus fiéis para amarem um ser invisível mais que os próprios filhos?

A mim não me entra no sistema nervoso. Das duas uma, ou não percebo o que significa "amar Deus acima de todas as coisas" ou estão a pedir-me uma coisa ilógica: amar algo que não vejo.
Se me pedissem para respeitar? Óptimo, claro que sim, nem preciso de fé para o fazer. Se me pedissem para rezar? Tudo bem, é uma questão de fé. Agora, amar? Parece-me uma dimensão demasiado pessoal e intima para ser direccionada para o vazio. Mesmo acreditando, como amar algo que não se vê?

Normalmente, a primeira resposta que oiço é: "não vejo mas sinto" Eu chamo a isto ilusão. Há poucas coisas que abomine mais na Fé, que apoiá-la em sentimentos.
Torna-a frágil.
Tenho um medo tão grande de desobedecer que nem ouso questionar e, então, invento. Por isso, se me pedem para amar algo que não consigo ver; se me pedem para ser amigo de alguém que nunca vi, imagino um amigo invisível que anda sempre no meu bolso e uso-o para desabafar.
Lamento, mas o que Jesus disse foi que estaria onde "dois ou três estivessem reunidos", não ao lado de cada indivíduo; Embora a Igreja ensine que o nosso corpo é o templo do Espírito, não significa que Ele esteja sempre presente. Do mesmo modo que eu habito numa casa, mas não passo lá o meu tempo todo.
Daí a ilusão, daí a irracionalidade de direccionar um sentimento para algo invisível que não está lá. Além de ser completamente isento de fundamentação teológica.

É natural que se fale nestes termos a crianças: um amigo invisivel, etc... Um adulto deveria ser levado a questionar as razões da sua fé.

Então, onde está a fundamentação para este mandamento tão irracional?

É importante que faça aqui uma explicação. Esta argumentação agressiva tem um objectivo: não o de fazer apologia da verdade, mas de te colocar interrogações sobre a forma como vês Deus. Pois senão repara, eu próprio encaro Deus como uma pessoa imaterial. Será que estou também a atacar aquilo em que acredito?

Não! Estou a tentar que chegues à conclusão que, embora a natureza de Deus seja imaterial, ela é tão real e presente nas nossas vidas como a luz do sol. E que descubras onde procurar por Deus que não seja dentro da tua imaginação.

O mandamento deixa de ser irracional quando mudamos o "chip". Quando nos permitimos a encarar Deus tal como Ele é. E mais, aqui, não só passa a fazer sentido, como não podia ser de outra maneira.

Primeiro: "amar Deus é semelhante a amar o próximo". Segundo o dicionário Priberam, uma das definições de Semelhante é: igual, da mesma natureza, da mesma qualidade. Mesmo entendendo que o vocábulo Semelhança não é perfeitamente sinónimo de Idêntico temos que:

Amar Deus é igual a amar o próximo
Amar Deus é da mesma natureza que o amor ao próximo
Amar Deus é da mesma qualidade que amar o próximo
Ou seja, amar Deus não é o mesmo que amar o próximo mas é quase :)

Segundo: Sacramento significa sinal. Ou seja, nos sacramentos que se acumulam, repetem e perpetuam ao longo da nossa vida de católicos, é possível ver a presença de Deus. Isto deve ensinar-nos que Deus se manifesta no amor famíliar (matrimónio e baptismo), quando perdoamos ou somos perdoados (reconciliação e unção dos doentes), quando nos comprometemos e relacionamos com uma comunidade (crisma, ordem e eucaristia).
Em todos eles, há uma constante: uma relação e/ou um compromisso com uma comunidade ou uma pessoa.

Terceiro: Deus é, por natureza, absoluto. Beleza, paz, liberdade, verdade e sabedoria são conceitos de natureza divina. Tal como o amor. É a ausência progressiva de cada um desses conceitos nas nossas vidas que vai criando espaço para o que é feio, para a guerra e para o conflito, para a tormenta, para a incerteza e a falta de rumo e para o ódio e o rancor. 
Portanto, a ânsia pelo que é belo, pela paz, pela liberdade e pelo conhecimento é ânsia, em última instância, por Deus.

CONCLUSÃO
Posto tudo isto, e pegando na provocação inicial, como é possível amar Deus mais que aos próprios filhos? É possível no sentido em que ao amar os nossos filhos estamos a amar Deus. Ora se a isto, juntarmos o amor que sentimos pelo resto da nossa família e dos nossos amigos, os gestos de ajuda e caridade para com o próximo, o perdão a quem nos ofende, o amor a causas como a liberdade ou a paz, a contemplação e o deslumbramento pela natureza que é reflexo de Deus, o respeito pelos compromissos e a palavra dada, não é difícil concluir que o amor por Deus é bem maior que o amor pelos filhos.

É ou não é genial este mandamento?


Não foi fácil para mim deixar este assunto assim tão pela rama, e com ausência de outras considerações, tão ou mais importantes que as utilizadas, mas para o efeito foi conclusivo.