quinta-feira, 6 de outubro de 2011

vários pontos de vista de Deus, será uma coisa má? (resposta a um cristão protestante)

Numa troca de ideias no facebook, surgiu-me a seguinte questão colocada por um amigo protestante: "Vários pontos de vista de Deus será uma coisa má?"  Devendo "pontos de vista" ser lido como igrejas e religiões com doutrinas distintas.
Não dei resposta por esta ser demasiado grande. Mas achei o tema interessante o suficiente para escrever aqui no blogue.


Vou-te explicar o porquê de não considerar a proliferação de igrejas cristãs uma coisa positiva como seria uma chuva de ideias ou a proliferação de vários pontos de vista.

Temos, antes de mais, a Natureza de Deus. Deus é, não muda, não foi, nem será. Simplesmente é ("Eu Sou Aquele que Sou" Ex 3,14). Portanto, cabe ao homem conhecê-lo da melhor forma possível. Ora, se eu não admito que Deus muda, embora possa encará-lo de formas diversas, conforme as suas características, não é possível que estejam certos aquele que diz que Deus castiga, bem como aquele que diz que Deus é infinitamente misericordioso. Das duas uma, ou ambas estão erradas ou apenas uma está certa. Se calhar o mesmo se passa com aquilo que as pessoas dizem de mim. Alguém me viu ter uma atitude mais intempestiva e acha que eu sou uma pessoa intolerante, mas quem me conhece melhor, sabe que isso é totalmente falso. Mas já é possível atribuir diversas qualidades a Deus. Tal como eu sou pai, filho, irmão, cunhado, sobrinho, amigo, esposo tudo ao mesmo tempo, por muitas mais faces nós poderemos reconhecer Deus. Nesse aspecto, nós cristãos estamos milhões de anos luz à frente de outras religiões. Deus revelou-se completamente aos homens através do Seu Filho. E é pelo filho que nós conhecemos o Pai. Tivemos o privilégio de uma revelação plena, ao contrário, por exemplo, dos Judeus que apenas têm uma revelação indirecta. Dentro do monoteísmo, para quem acredita que Jesus é o Filho de Deus, é lógico pensar que conhece melhor Deus que outras religiões que não acreditam em Jesus como Filho de Deus. Não fazê-lo seria não compreender o mistério da incarnação, ou uma falsa e não ponderada modéstia.
Utilizando o mesmo raciocínio - existiram aqueles que lidaram de muito perto com Jesus, diariamente, os apóstolos e algumas mulheres, e outros que o seguiam por toda a parte, escutando os sermões e vendo o que ele fazia, mas nunca privando com Ele. Quais deles conheceram verdadeiramente Jesus? Que testemunho escolherias escutar? Os apóstolos e as mulheres que privaram com ele, seguramente.

Até agora já concluímos que Deus não muda e que é possível ter conhecimentos errados, distorcidos ou muito parciais de Deus e que é possível legitimar melhor conhecimento de Deus a umas pessoas em detrimento de outras.

Continuando, múltiplas Igrejas implicam múltiplas diferenças doutrinais. E dentro dessas diferenças existem incompatibilidades. Daqui se deduz que alguém, para não dizer muitos, têm que estar errados na concepção de determinada natureza de Cristo e, por conseguinte, do próprio Deus. Não há obrigatoriedade de se concluir que alguém tem de estar certo. Também não é possível inferir, simplesmente pela lógica, que haja alguma que esteja mais vezes certa do que as outras.
Mas permitir que as coisas fiquem neste ponto, alimentando a multiplicidade e, por conseguinte, a lógica que não há forma de saber quem tem razão é, em certo modo, contrário ao propósito da revelação divina em Cristo. A infinidade e a multiplicidade que são saudáveis na forma de pôr os talentos a render, na forma de se identificar com Deus, nas tarefas que realizamos, tornam-se um problema se levarem à ambiguidade. Além disso, há as passagens dos evangelhos e as cartas de São Paulo que exortam a unidade do corpo em que Cristo é a cabeça. As diferenças entre as várias partes do corpo são importantes, na medida em que cada membro tem a sua função. E até podemos inferir que cada membro tem um conhecimento limitado e distinto, mas repito, não há incoerências ou ambiguidades. Tu dizias que a infinidade de opiniões não é má, mas eu digo, se da infinidade de opiniões não surgir a sintonia, o que fica é a dispersão, o afastamento.
Finalmente entra a legitimação. É necessário conferir não quem tem os melhores argumentos, mas os mais legítimos. E quem os tiver, tem maior probabilidade de estar a falar verdade, passe a demagogia e a vontade pessoal. Se não, corremos o risco de cada um ter o seu próprio Deus, interpretado à sua medida e conforme a necessidade. Corremos o risco de buscar apenas a lógica, o interpretar pelo desafio racional, mais que pela vontade de conhecer verdadeiramente Deus. Não é a pessoa que eu amo, mas sim o processo de o conhecer.
Ao conferir legitimidade, temos que aceitar os amargos de boca, o que discordamos e o que não compreendemos.
Concluindo, nós católicos encontramos legitimidade no Papa, no colégio dos bispos e na tradição, e vocês?