É normal dizer-se que o Homem é imperfeito.
Eu gostava de partilhar esta opinião para poder, com ela, justificar todos os males do mundo, (não é culpa minha, Deus é que me criou imperfeito!) mas não consigo. Pois se acreditasse nela, estaria a contradizer imediatamente o primeiro capítulo dos Génesis que relata que após ter criado o homem e a mulher, Deus viu que tudo era muito bom e então descansou. Mas não ficou por aí, não só nos criou perfeitos, tal como toda a Natureza, como também nos criou especiais: à Sua imagem e semelhança.
- Deus descansou? Caramba, afinal Deus também se cansa!
- Somos à imagem e semelhança de Deus.
- e, claro, “Deus viu que tudo era muito bom” - que é precisamente o objecto desta reflexão.
É possível admitir que Deus tenha criado algo imperfeito? Não. Ponto final. Ele que é perfeito simplesmente não pode criar nada imperfeito. E para não haver dúvidas, diz ainda, que somos à Sua imagem e semelhança. Como podermos afinal ser imperfeitos?
E tu estás a pensar: “Ricardo, quer então dizer que o mundo em que vivemos é perfeito? Mas e todas as guerras, todas as maldades, todas as mortes? E todo o sofrimento? Como é que isso pode ser perfeito?”
Oh como eu te percebo! Quantas vezes já me fizeram essa mesma pergunta. E a resposta é grosseiramente simples: porque não estás a ver com os olhos de Deus.
E tu certamente replicarás: “Então onde é que Deus vê a perfeição numa criança que morre de fome, por exemplo?”
Espera, eu sei que não respondi à tua pergunta de forma a perceberes. Mas não é por não perceberes uma coisa que me vou impedir de ta dizer. Prefiro depois explicar-te.
Julgo que deve haver uma associação inconsciente entre perfeição e felicidade e entre dor e imperfeição. Mas que são mutuamente exclusivos. Isto é, se existe dor, não pode existir perfeição, logo, também não pode existir felicidade.
Se é assim que tu pensas, é lógico que não consegues ver a perfeição que existe no mundo e, sobretudo, no homem. Mas não é assim que as coisas verdadeiramente são.
E tu estás a perguntar-te:
- “Mas tu consegues ver a perfeição no homem?”
- Consigo!
- “Como humanidade ou individualmente?”
- Em ambos
- “Então também te julgas perfeito?”
- Claro! O que não sou é santo, porque sou pecador.
- “Espera, mas isso não faz sentido. És perfeito e pecador ao mesmo tempo?”
- Mais ou menos. Diria que o pecado é condição intrínseca à perfeição.
Se calhar, tu que és católico, certamente já te perguntaste porque teve Cristo que sofrer tanto para morrer, se o importante foi a ressurreição? Possivelmente não encontraste nenhuma resposta. Mas uma coisa te garanto, Ele teve mesmo que sofrer, e muito, antes de morrer. Não te vou explicar aqui o porquê, mas acredita que Ele teve que sofrer para que dali resultasse uma grande dádiva: a remissão de todos os pecados.
Eu sei que isto parece, à primeira vista, muito teológico, mas creio que aceitas que desse sofrimento veio algo infinitamente melhor, a vida eterna. Ou que, de uma forma generalizada, o homem tem a capacidade de se superar nos momentos de catástrofe e transformá-los em oportunidades.
Olhando de uma perspectiva inversa, penso que a grande maioria de nós admite que, mesmo aquelas pessoas que aparentam ter tudo, passam por desilusões, desânimos, angústia, stress. Acabam por ter maior dificuldade em inventar novos objectivos na vida por que lutar e, quando não conseguem, desistem de viver.
Isto só para dizer que, nem o sofrimento é o fim, nem o bem-estar é a meta. Não é por ver uma criança bem nutrida que vou acreditar que ela é feliz, nem por ver uma criança com algumas carências que vou julgá-la infeliz.
Postas todas estas considerações, passarei a explicar como percebi que afinal o mundo é perfeito.
Primeiro, é-me impossível discordar da bíblia. Logo, se a bíblia me ensina algo contrário aquilo que vejo, só posso concluir que o que vejo é limitado ou, na pior das hipóteses, que tenho as minhas ideias baralhadas e ao ver uma coisa boa julgo-a má e vice-versa.
Segundo, ao estudar a resposta do nosso planeta às alterações climáticas, finalmente compreendi o equilíbrio que existe na bioesfera (que é muito mais do que simplesmente saber que existe esse equilíbrio) Tudo foi criado para persistir num equilíbrio. Por exemplo, a terra encontrará maneira de se equilibrar se a temperatura da terra continuar a aumentar. Os calotes polares derreterão, as correntes marítimas serão alteradas, o nível das águas subirá e provocará catástrofes atrás de catástrofes até eliminar toda a fonte de poluição. Como se a terra se sacudisse até que paremos de a magoar. Outro exemplo, que me fez pensar foi o surgimento de novas doenças. É natural que todos os seres vivos morram ocasionalmente de doenças ou outras causas ambientais. Conseguindo o homem debelar grande parte de algumas enfermidades por via da medicina, a análise empírica mostra-nos que a natureza encontra formas de nos manietar com novas doenças.
Estes exemplos são talvez estranhos, mas foram eles que me fizeram pensar que tudo existe está de tal forma entrelaçada e equilibrada, de facto, de modo perfeito.
No que respeita ao homem, a perfeição é um pouco mais complexa, mas tem que ser entendida de forma dinâmica. Isto é, não existe uma perfeição estática. Se entendermos que o pecado é o afastamento de Deus, e que Deus nos criou livres de nos afastarmos ou não Dele, fica claro que o plano de Deus não foi criar um conjunto de seres que nunca Lhe desobedecessem. Antes pelo contrário, foi criar um ser de tal forma livre, cujo caminho pudesse decidir por si próprio. Portanto, se o afastamento – o pecado – e tudo o que dele resulta (que é o sofrimento), foi previsto a quando da nossa criação, é claro que mesmo sofrendo, enquanto mantivermos a capacidade de nos levantarmos das quedas, ou sobretudo, de darmos a mão a quem caiu, permaneceremos perfeitos aos olhos de Deus.
A grande questão, quanto a mim, não é saber se somos perfeitos ou não. Mas se somos santos. É tirar o enfoque daquilo que é a nossa natureza e colocá-lo naquilo que são as nossas decisões e atitudes. Ou seja, se utilizamos a nossa perfeição para sê-lo verdadeiramente.